quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Necessidades Colectivas


O presente texto pretende relevar o interesse que as necessidades colectivas têm no estudo do Direito Administrativo. Como sabemos, a administração pública pode-se empregar em sentido orgânico ou subjectivo quando atendemos à organização, estando em causa os complexos organismos que existem e funcionam para satisfazer as necessidades colectivas. Ou então em sentido material ou objectivo, quando enfatizamos a sua actividade, visando assim a acção regular desses mesmos organismos na satisfação dessas mesmas necessidades colectivas. 

Existe portanto um denominador comum, as necessidades colectivas, arriscando dizer, que estas constituem uma necessidade fundamentadora de toda a acção da administração pública.
Importa, primeiramente, fazer um enquadramento das necessidades, definindo e contextualizando.

O Ser Humano, para perpetuar, necessita de comer, beber, vestir-se, ter habitação, reconduzindo as suas primeiras acções à supressão destas necessidades, que têm o nome de necessidades primárias/fisiológicas. Após satisfeitas as primeiras necessidades, a acção de satisfazê-la e o instrumento de satisfação adquirido criam novas necessidades, estas secundárias e derivadas das primeiras, podendo ter várias naturezas, económicas, segurança, sociais ou culturais.
Ora, a perpetuação das relações na nossa sociedade ampliam as necessidades e estas por sua vez, ampliam as relações sociais que se constituem. É por isto um Universo complexo que merece atenção por parte de várias áreas do conhecimento, sendo o Direito permeável a elas, contribuindo para um melhor entendimento e focalização do agir administrativo.

Tendo em conta isto, a administração pública tem presente um conjunto de necessidades, cuja a sua satisfação é assumida pela colectividade, uma vez que elas carecem da mesma, cabendo aos serviços organizar e manter os organismos com essas finalidades. Contudo a satisfação destas necessidades colectivas exigem grandes quantidades de meios materiais e humanos, desde já a organização de novos serviços públicos mantendo a sua eficiência e eficácia nas diversas áreas (pessoal, material e financeiro). Assim, onde haja de forma intensiva uma carência com expressão colectiva, surgirá um serviço público com o objectivo de suprimi-la em nome do interesse da colectividade. No entanto, nem todos os serviços que visam a satisfação destas necessidades têm a mesma natureza, uns pertencem ao Estado, como é o caso da polícia e dos impostos, outros são organismos autónomos que se auto-sustentam financeiramente, no caso dos correios e linhas férreas.

Mas o que são necessidades colectivas? Como escreveu o Professor Marnoco (no seu Tratado de Sciência da Finanças) “é muito difícil, porém, dar uma noção de necessidades colectivas”. Vários autores tentaram, como HERMARN, que dizia que “estas eram as necessidades sentidas por todos”, ou WAGNER, que escreveu que “estas eram aquelas que um individuo experimentava como membro da sociedade”. Temos ainda a definição de GHINO VALENTI que as descreve como “necessidades abstractas, deduzidas com o raciocínio da função especifica que as diversas entidades morais têm a desempenhar, pelos seus administradores, quer se trate do Estado, quer se trate das autarquias locais, quer se trate de sociedades particulares...”.

Todas, foram alvo de criticas por parte do autor, apontando à primeira que, “nem todos os indivíduos da mesma sociedade estão de acordo relativamente aquilo que se considera uma necessidade colectiva, não havendo tal nível de perfeição, onde todos os indivíduos sintam da mesma forma o conjunto de necessidades dessa comunidade como necessidades próprias”. Está subjacente, não um critério de unanimidade mas sim de maioria. A GHINO VALENTI, o autor aponta, que é “desconhecer a realidade o entender que as necessidades colectivas não são sentidas pelos indivíduos”, uma vez que estes a sentem, por exemplo, relativamente à segurança e educação. As necessidades nunca deixam de ser sentidas pelos indivíduos. Não querendo isto dizer, como SAX , “que as necessidades colectivas correspondem à tendência que domina o Homem para o colectivismo e que as necessidades individuais correspondem à tendência do Homem para o individualismo...”. São necessidades colectivas, na opinião do Professor Marnoco, o estado de insuficiência económica para fazer face aos serviços de interesse geral que constitui as necessidades colectivas. A realização pessoal e social está muitas vezes dependentes destes serviços de interesse geral, como é a segurança, educação, bem- estar económico e social.

Porém, há necessidades que só podem ser satisfeitas pelo Estado como é o caso da segurança. Surge então uma divisão, primeiramente entre, necessidades individuais e colectivas, onde as primeiras são satisfeitas pelos particulares singularmente. As colectivas dividem-se ainda em, privadas ou públicas, estas satisfeitas pelas associações e sociedades e aquelas satisfeitas pelo Estado.
Esta distinção importa, uma vez que “a satisfação de necessidades individuais e colectivas de ordem privada constitui objecto dos fenómenos económicos, ao passo, que a satisfação  das necessidades públicas, constitui objecto dos fenómenos financeiros”.

O Estado produz desta forma três categorias de bens, os bens que só satisfazem necessidades colectivas, os bens que satisfazem tanto necessidades colectivas como necessidades individuais (gratuitamente ou a um preço inferior ao custo), bens que satisfazem não só necessidades colectivas mas também necessidades individuais a um custo inferior caso a oferta coubesse às empresas privadas. Os primeiros tipos de bens e que canalizam para a satisfação de necessidades colectivas são conhecidos como bens públicos, existem ainda os bens semi-públicos, sendo estes aqueles que satisfazem as duas ordens de necessidades.

É desta forma, o Estado que decide sobre a existência de necessidades colectivas e a conveniência da sua satisfação, mais concretamente, os órgãos do Estado que exercem o poder político (assembleias representativas e governo). Como referido anteriormente, as decisões do estado não reflectem uma unanimidade nacional relativa aos interesses a prosseguir mas sim uma opinião maioritária ou minoritária, ressalvado que há sempre uma imposição (legitimada) das decisões tomadas pelo Estado. Sendo assim, as escolhas das necessidades colectivas tem um carácter iminentemente político, obedecendo a critérios variáveis consoante correlações de forças relativas a grupos e classes sociais, podendo por este motivo corresponder à vontade dos muitos ou só de alguns. Pode-se referir que o Estado é provido de quatro razões para estabelecer os bens públicos que devem satisfazer as necessidades colectivas:

- Tem uma perspectiva de interesse geral, ou pelo menos, os seus órgãos e os detentores do poder confrontam-se com a sociedade à luz de critérios de interesse geral.
-Tem uma perspectiva temporal ilimitada e uma capacidade de risco superior à dos outros grupos ou associações.
-Dispõe de poder de autoridade para impor regras de utilização dos bens e seu financiamento (coacção, na sua vertente sociológica).
-Tem uma dimensão que lhe permite empreender esforços que não estão ao alcance de instituições ou pessoas privadas e que a comunidade não consegue resolver com êxito.

Para alcançar estes objectivos e níveis de satisfação a que o Estado se propõe este está dependente de fenómenos financeiros, mais concretamente, das finanças públicas. Ou seja, o Estado pretende ver determinadas necessidades saciadas; propõe-se então a produzir esses bens; essa produção implica despesas; necessitando o Estado de obter receitas para cobrir essas despesas; portanto precisa de meios de financiamento; sendo estes, preços, empréstimos e impostos.

Tudo isto depende, obviamente, da organização política, ideologias e modelos económicos que se pretende elaborar e incutir num Estado. Contribuindo estes elementos, igualmente, para um maior ou menor alcance da sua acção. 

Está assim presente no art 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP) o conceito de democracia económica, social e cultural, que é a fórmula constitucional para aquilo que designamos por Estado-Social, traduzindo-se na responsabilidade pública pela promoção do desenvolvimento económico, social e cultural.

É preciso ter especial atenção ao planeamento do desenvolvimento económico e social, como também o acesso a todos, em situação de igualdade às prestações sociais (saúde, segurança social, habitação), educação e cultura. A realização do Estado-Social é um processo de prática da justiça social e da satisfação das necessidades colectivas, constituindo a melhoria do panorama social como também aperfeiçoamento do Estado de direito democrático, funcionado a estabilidade económica e social como elemento adquirido, logo uma necessidade colectiva que o Estado tem de satisfazer.

O Professor Diogo Freitas do Amaral reconduz as necessidades colectivas a três espécies fundamentais: a segurança, a cultura e o bem-estar.

Na minha óptica a tripartição é excessiva uma vez que a cultura pode ser integrada no bem-estar. Esta pode comportar tanto a realidade económica e social, como igualmente, a cultural. Uma vez que as três áreas referidas obedecem hoje a uma sobreposição e interdependência mútua.

As necessidades colectivas são assim polarizadas em segurança e bem-estar, integrando estas a esfera administrativa, dando origem ao conjunto vasto e complexo de actividades e organismos integrantes do Estado, tendo este o dever de as prosseguir e atingir um grau de satisfação geral.

Bibliografia:

- Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol I, 3ª ed., Almedina.
- Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I.
- J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4ª ed., Coimbra Editora.
- Marnoco e Sousa, Tratado de Sciência das Finanças, Coimbra, vol. I.
- Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 4ª ed., Coimbra.
-A. L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., Coimbra.

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