sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A necessidade de reforma quanto ao "silêncio" e á "última palavra" da Administração Pública


O presente texto apresentar-se-á como um dos vários contributos que têm sido dados para a reforma da justiça administrativa e conduz-nos para uma reflexão sobre dois grandes problemas: a inacção da Administração Pública e a da palavra judicialmente recorrível.
Esta necessidade de uma reforma da justiça administrativa deve realizar-se tendo em conta simultaneamente o dever constitucional da Administração Pública de prosseguir o interesse público e o direito dos cidadãos a uma tutela judicial efectiva ( a própria Constituição defende este mesmo objectivo, artigo 266º).

Quanto ao silêncio da Administração pública, tem-lhe sido até agora atribuído, quanto a uma solução, um significado positivo ou negativo sempre que exista o dever legal de decidir. Começou por atribuir-se um significado negativo, para permitir que os interessados pudessem impugnar contenciosamente a decisão desfavorável.
Posteriormente, para melhor proteger os particulares e obrigar a Administração pública a decidir, atribui-se ( a certos casos) um significado positivo ao silêncio, entendendo-se que a não decisão do prazo configurava-se como uma decisão positiva.

Há que atender que apesar de haver uma grande apreciação desta solução, atribuindo ao silêncio da Administração um direito desta, a verdade é que há um dever e não um direito. A decisão é um dever da Administração Pública (artigo 9º do CPA) , que tem de ser cumprido. Este dever introduz-se claramente no sentido do “(…) respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. É neste sentido que devemos tutelar os direitos dos cidadãos, dado que o particular tem o direito de exigir, através do Tribunal, que a Administração Pública decida sobre a pretensão que este apresentou.
Nesse sentido entramos em duas possíveis situações:

- se a decisão da Administração, judicialmente exigida, seja favorável, o problema encontra-se resolvido, terminando assim o processo;
- no caso de não a aceitar, o particular deve ter o direito de prosseguir judicialmente, combatendo-a para que lhe seja dada a razão que julga ter.

Esta solução, obrigava a Administração Pública a cumprir o seu dever e o particular teria a possibilidade de ter uma decisão expressa praticada, adoptando a que lhe fosse mais conveniente. O problema agravar-se-ia se mesmo assim a Administração Pública persistir no silêncio.
A situação actual, leva-nos a um problema mais complexo.
Actualmente, o facto de se atribuir significado positivo á não decisão no tempo devido, permite aos particulares obter “decisões” favoráveis ilegais.
É de propor-se uma sanção ao silêncio positivo da Administração, dadas as vantagens indevidas concedidas aos particulares que ofendem claramente os interesses públicos.
A actuação da Administração necessita obviamente de uma averiguação por dois motivos perceptíveis ao longo desta exposição: a sua inactividade e infracção da lei.

Nomeadamente á “última palavra”, este tem sido um assunto muito debatido, pois para chegar aos tribunais há que se proceder através do recurso hierárquico, mantendo-se o esgotamento da via administrativa?
O artigo 268º, nº4 da CRP, defende o direito do particular poder dirigir-se, face a uma decisão desfavorável, por efeito do silêncio ou por atitude positiva, aos tribunais.
Esta mesma acção tem revestido uma fonte de denegação de justiça aos particulares, pelo facto de não terem impugnado administrativamente e terem corrido directamente aos tribunais.
Vendo doutra perspectiva, é simplesmente chocante a sanção processual desproporcionada que sofre quem actua com excesso de diligência.
Vieira de Andrade, defende a necessidade de recurso hierárquico dado que a parte só deve dirigir-se a juízo depois da “última palavra” da Administração Pública, uma vez que permite á parte ponderar a sua decisão evitando assim o recurso directo aos tribunais.
Todavia quando o recurso aos tribunais deve-se a uma decisão que não é a última palavra, não é de aceitar a sanção prevista – a perda de pretensão.

Dada a dificuldade em apreender se a decisão constitui ou não a palavra recorrível da Administração publica o mais adequado é que se o tribunal considerasse que não estava dada a “última palavra” da Administração, fosse suspenso o processo, para que o particular pudesse suscitar o acto recorrível.
Esta acção permitiria ao particular provocar a decisão do orgão competente e caso esta decisão não lhe agradasse o processo prosseguiria.
Contudo, sendo esta a reforma que se propõe, convém explanar a conduta do particular caso lhe seja emitida uma decisão desfavorável.

Neste caso este deve:

- Impugnar administrativamente;
- Recorrer contenciosamente;

Impugnando administrativamente, o particular aguarda uma decisão do Superior e fica em carteira com a possibilidade de recurso contencioso.
Recorrendo contenciosamente, acerta se o tribunal entender que a decisão é recorrível de imediato, caso contrário pode também recorrer contenciosamente da decisão do superior.
A “última palavra” não tem de ser necessariamente a dita verticalmente definitiva.

Hoje vigora entre nós, um princípio constitucional favorável á recorribilidade imediata dos actos administrativos que lesam direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, que só cede perante disposição da lei em sentido contrário.


Jéssica Faria
nº21989 

A Constituição da República e o Direito Administrativo

Quer no Estado Liberal do século XIX e XX quer no Constitucionalismo Monárquico e ainda no período da República, as Constituições não dispunham de regras sobre o Direito Administrativo. Não havia a preocupação de regular a actividade administrativa. As Constituições destes períodos limitavam-se essencialmente à organização do poder político   e à garantia de alguns direitos fundamentais.
 A posição de intervenção do Estado assumia a lógica do "Estado Mínimo", isto é, não havia uma grande necessidade de regular minuciosamente a actividade administrativa, diferentemente do que veio a suceder.
O facto de o Estado ter vindo a intervir progressiva e activamente na sociedade( na área da economia, realidades sociais que necessitavam de algum controlo) levou a que nesse mesmo contexto, surgisse a necessidade de a Constituição(enquanto fonte) abarcar uma série de normas com relevância directa para o Direito Administrativo.

Durante muito tempo foi válida a frase:"O Direito Constitucional passa e o Direito Administrativo fica". Isto porque, o Direito Administrativo é construído na base de institutos mais perenes, estáveis e estruturados que por sua vez se contrapunham às várias Constituições que iam sucedendo enquanto os inúmeros institutos do Direito Administrativo permaneciam e com poucas alterações. 
Exemplo concreto passa pelo famoso conceito de acto definitivo executório que presente desde da Constituição de 1822 vigorou até à revisão de 1989. Mesmo presente na Constituição esse conceito de acto definitivo executório nasceu no seio do Direito Administrativo.
Com a constituição de 1976 há sem dúvida uma intenção de através do Direito Constitucional impor novos soluções e novos caminhos para o Direito Administrativo.
Portanto uma das novas soluções passou exactamente pela eliminação do acto definitivo executório ,falando-se, agora num acto lesivo, que em termos práticos, significa dar aos particulares mais possibilidades de reacção. Uma vez que com o anterior acto definitivo executório exigia-se para ser susceptível de impugnação,  que o acto administrativo, tivesse de estar revestido de obrigatoriedade e executoriedade.
Usei este exemplo para demonstrar como a Constituição de 1976 passou a ser impulsionadora de reformas e ganhou um novo papel, como tem destacado o Prof. Vasco Pereira da Silva.
Desta feita, o Direito Constitucional impulsionou outra alteração directa ao Direito Administrativo( é ainda de referir que o Direito Constitucional já tinha alterado o Direito Administrativo na Constituição de 1976 com a criação de uma verdadeira ordem jurisdicional, destacando definitivamente os Tribunais Administrativos)

Em concreto, a Constituição da República Portuguesa(1976) tem uma série de princípios fundamentais em matéria administrativa e por outro lado contem várias garantias dos particulares na relação com a Administração. Não esquecendo, ainda, as normas em matéria organizativa.
Indo ao pormenor em relação aos princípios fundamentais em matéria administrativa existem dois tipos: 

- Há os princípios fundamentais em matéria de estrutura da administração - artigo 267º

- E os princípios fundamentais em matéria de funcionamento da Administração - artigo 266º

A Constituição estabelece princípios genéricos em termos de procedimento administrativo que afloram no artigo 267º/5;


Relativamente às garantias na relação dos particulares com a Administração veja-se o artigo 268º que prevê:

-268º/1- Direito à informação;

-268º/2- Relacionado com acesso aos arquivos administrativos: Existe então, um direito análogo aos Direitos Liberdades e Garantias com o acesso à informação e aos arquivos administrativos; Isto, quer nos casos em que somos aqueles directamente interessados quer nos casos em que dispomos de um direito legítimo(vigora aqui o principio da administração aberta). Implícito está também a regra da transparência, uma vez que, não deve haver lugar para segredos perante os particulares salvo devidas excepções;

-268º/3 -O direito à fundamentação no que toca a actos que afectem direitos ou interesses legítimos/legalmente protegidos.

-268º/4- é um dos artigos mais debatidos pela Doutrina; 

Vem permitir a reacção dos particulares contra a Administração mesmo que não haja a prática de nenhum acto administrativo(o que até ao século XX não era permitido).
Relembrando aqui, o facto de no séc XX, só ser possível impugnar actos administrativos ou então propor acções que estavam típica e exaustivamente previstas na lei.
Não havia maneira de ir a tribunal fazer valer um direito contra a administração se não houvesse um acto que tivesse atingido o individuo e que o lesava. 
Hoje em dia está perfeitamente consagrado no Código de Processo dos Tribunais Administrativos (aprovado em 2002 com entrada em vigor em 2004) a possibilidade de na acção administrativa comum (artigo 37º do documento legal em cima referido) se poder formular a defesa de um direito do particular que esteja a ser violado desde que seja matéria jurídico-administrativo. Não sendo assim necessário a existência de um acto administrativo apenas. Importa ainda referir a atipicidade das providências cautelares(podendo-se propôr qualquer tipo de providências cautelares para além das tipícas) o que facilita e trás mais garantias para os particulares.

Há outras disposições com relevância em matéria administrativa, desde logo em matéria de organização administrativa, o artigo 199º alínea d) da Constituição. 
Refere-se este artigo à competência administrativa do governo e que desde logo delimita os 3 tipos de administração existentes e estudados(sem prejuízo dos orgãos administrativos e das entidades independentes que estão presentes no já referido artigo 267º)

E por fim, não menos importante, resta referir o artigo 212º que estabelece como já referi a existência de uma ordem jurisdicional administrativa paralela aos outros tribunais só existente como tal desde de 1976(uma vez que no Estado Novo, mesmo não se considerando os tribunais como orgãos, estes, eram integrados no Ministério da Administração Interna).


Andreia Viegas
nº21701















Separação de Poderes e a Função Administrativa


Afirmando-se na Revolução Francesa de 1789 o Princípio da Separação e Divisão de Poderes considero ser um tema fulcral no estudo do Direito Administrativo. Este princípio ficou plasmado no seguinte artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
DUDHC – Art. 16
A Sociedade em que não esteja assegurada a garantia de direitos nem estabelecida a separação de poderes não tem Constituição.
A ideia de delimitar o poder como forma de evitar a tentação para o seu exercício de uma forma hegemónica é um rasgo característico da forma de Estado “democracia”. 
Este princípio tem um papel muito importante para a estruturação da comunidade política apresenta um exercício do poder moderado e os centros de poder são muito mais diversificados.  
Quando o assunto é a Separação de Poderes não podemos esquecer a Interdependência, ela tem que existir na actividade dos diferentes poderes do Estado, principalmente face aos princípios da Constitucionalidade, Legalidade e Jurisdicionalidade.
Temos que considerar também o Princípio da Competência (cada órgão público só tem as competências que lhe sejam expressamente atribuídas por lei, não podendo “invadir” as esferas de competência dos outros órgãos). 
Mas até aqui tudo parece bastante simples, mas este princípio apresenta características tão complexas que nos leva a adoptar três pontos de vista fundamentais para fazer a sua análise. 
De acordo com um sentido político a questão prende-se com a Titularidade do poder, aqui discute-se onde reside a soberania, quem são os titulares do poder. O princípio da Separação de Poderes não é compatível com sistemas monistas (só há uma forma de legitimação do poder), pelo contrário os sistemas dualistas ou pluralistas onde se forma uma comunidade com diversos centros de poder leva a que exista um sistema de separação e interdependência de poderes em sentido político.
Se considerarmos um sentido organizatório para a análise deste princípio então entendemos que a legitimidade do poder é una o que não impede que haja uma complexa organização com independência entre si que desempenham diversas actividades estaduais, mas o que está em causa é a existência de vários sistemas organizatórios autónomos entre si, nesta perspectiva este Princípio surge para facilitar a realização de tarefas do Estado. 
Numa análise baseada num sentido material, ou seja a questão centra-se em função das principais funções do Estado, procura determinar quais são e como se caracterizam materialmente. Vamos assim descobrir o papel da função administrativa em comparação com outras funções estaduais. 
O Governo é, no nosso ordenamento o órgão máximo da Administração Pública, mas isso não o impede de legislar através da elaboração e aprovação de decretos-lei, por vezes a administração elabora regulamentos que em alguns casos assumem grande autonomia face à lei. O Parlamento aprova leis – individuais e leis – medida que estão entre a norma legal e o “acto administrativo”. A Função Legislativa aparece enquanto aplicação direita da CRP, apresenta-se como geral e abstracta e neste sentido a função administrativa é individual e concreta, mas cabe aos regulamentos desenvolver e pormenorizar a disciplina legal ou seja, há uma subordinação à lei. 
Existe uma grande semelhança da função administrativa com a política, a segunda é uma actividade dos órgãos supremos do Estado (criados directamente pela CRP e onde está estabelecida a sua missão e competência), apresenta por isto um carácter primário, porque se desenvolve sem interposição da lei ordinária, e é aqui que ela se distingue da função administrativa.
A resolução de conflitos de pretensões entre duas ou mais pessoas sobre a verificação ou não em concreto de uma ofensa ou violação à ordem jurídica por um órgão imparcial situa-se na função jurisdicional, enquanto a procura da criação de condições com vista à realização de interesse público pertence à função administrativa. 
Pode-se então concluir, no meu entendimento, com a ajuda das palavras de VIEIRA DE ANDRADE no seu manual de Introdução ao Direito Administrativo, a uma actividade pública subordinada à lei que, não se destinando à resolução dos tais conflitos de pretensões entre duas ou mais pessoas (função jurisdicional), se caracteriza por uma intenção social visando a criação de condições concretas para a realização do ideal Paz, Justiça e Bem-Estar, nos termos previamente definidos pelos órgãos político – legislativos.

Liliana Pires Chapeira

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Prossecução do interesse público


Boa Noite,
Embora saiba que a matéria referente aos princípios do Direito Administrativo seja uma matéria apenas invocada no segundo semestre, penso que não haverá problema em abordar certas questões acerca de um dos principios fundamentais por qual se rege a Administração. Uma vez que já tinha procedido a elaboração do trabalho e como tal não o  queria deixar "guardado na gaveta".
Pode ser assim visto este comentário como umas "luzes" um pouco mais aprofundadas sobre este princípio, não tendo, de todo o objectivo de ser exaustiva.
 Daí que tenha escolhido apenas um dos princípios que pareceu-me durante as aulas, sobretudo, as práticas ter sido falado indirectamente.
Supostamente era para ser um simples comentário a um post de 21 de Outubro do Gonçalo Moncada mas acabei por ultrapassar os caracteres permitidos.

Princípio da prossecução do interesse público- Base legal: art. 266º/1 C.R.P + art.4º C.P.A

Significa que a Administração, toda ela, tem que prosseguir(ou pelo menos deve) o interesse público concreto que for definido por lei.
É a lei que define em concreto o que é que cada pessoa colectiva através de cada orgão seu vai fazer e por que fim, esse fim, deve estar fixado por lei (é o chamado interesse público secundário);
Nos termos do artigo 133º/1 C.P.A uma actuação administrativa que não prossiga o interesse público é nula, falta a essa actuação um elemento essencial segundo o Prof. Freitas do Amaral. Tenha-se em atenção que o facto de se mencionar elemento essencial em nada está relacionado com os elementos essenciais do acto administrativo previsto no artigo. 123º do C.P.A
Toda a actuação administrativa tem de prosseguir o interesse público, mesmo a actuação administrativa de Direito Privado. Porém não existe aqui uma rigidez absoluta uma vez que não é impossível que a Administração Pública possa actuar no âmbito do Direito Privado. Muitas das vezes os entes administrativos actuam ao abrigo do Direito Privado não recorrendo assim ao Direito Público, mas até mesmo nesses casos, o fim tem de ser de interesse público. Ora veja-se o artigo 2º/5 C.P.A
Ainda no âmbito deste princípio existe um dever de boa administração, uma vez que a prossecução do interesse público é um dado inequívoco possível de ser controlado. Ou seja, ou acto administrativo prossegue o interesse público e é válido ou se não há prossecução do interesse público o acto é nulo e viola o artigo 266º/1 da C.R.P

Problema diferente suscitado é o de saber o que sucede quando a Administração Pública visa prosseguir o interesse público mas, no entanto, não o faz da melhor maneira. Poderá dizer que se trata aqui de um corolário do princípio da prossecução do interesse público(princípio ou dever da boa administração), é um princípio jurídico imperfeito uma vez que não existe maneira de os tribunais administrativos controlarem se a Administração Pública prosseguiu o interesse público da melhor maneira. Isto é, tem se provado que embora haja uma norma que o diga não se tem mostrado possível anular um acto administrativo com fundamento na violação do princípio da boa administração. O facto de se prosseguir da melhor maneira, implica, escolhas valorativas que tem de ter legitimidade democrática nem que seja indirecta. Ora, a Administração Pública tem o que se designa de legitimidade democrática indirecta.
Os juízes como não são eleitos, não lhes é possível intervirem em opções politícas(as decisões que são tomadas pelo governo). Resumindo, não é possível aos juízes definirem o que é então a boa administração.
Existe uma divergência doutrinária neste ponto em cima referido alguns autores afirmam que é possível controlar a boa administração e outros que afirmam que não, tendo como fundamento: o facto de não haver um controlo judicial efectivo e por isso mesmo o princípio jurídico é imperfeito.

Este princípio de boa administração deve ser entendido como um dever e não como um direito, podendo apenas ser um direito para os cidadãos e um dever para a Administração Pública. O princípio da boa administração está em tudo ligado ao princípio da prossecução do interesse público e ambos se relacionam dinamicamente com o princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares estão ambos presentes inclusive nos mesmos artigos: 266º/1 C.R.P + 4º C.P.A

Também na elaboração destes princípios é importante referir a sua história muito abreviadamente:
-Tendo como base a visão autoritária baseada na escola francesa do século XIX do Direito Administrativo, o seu principal e único objecto da Administração Pública era prosseguir o interesse público;
-Como reacção a essa mesma visão houve uma tendência denominada de: Garantística do Direito Administrativo não é prosseguir o interesse público, mas sim, garantir os direitos dos particulares face as actuações autoritárias e que eram em grande parte das vezes inevitáveis por parte da Administração Pública; Esta última visão acentuava uma outra vertente: a garantia e os meios de reacção dos particulares e não tanto a vertente da concretização do poder administrativo através da actuação administrativa e das suas formas de actuação.

Porém, a verdade é que o Direito Administrativo tem estas duas visões presentes, como é possível constatar na C.R.P tem presente as ideias de:
-Interesse Público
-Garantias

Deverá assim haver uma equilíbrio entre estas duas dimensões: Existe o dever de exercer o poder administrativo e por outra perspectiva um direito dos cidadãos. Mas tem de ser respeitadas algumas balizas mínimas de respeito pelos particulares que em princípio estão concretizadas na C.R.P e na lei.

Antes de terminar gostava apenas de referir que existe uma diferença assente ente direitos legítimos e interesses legítimos sendo que, os primeiros são situações jurídicas activas que tem um maior grau de intensidade. Existe uma tutela mais para o direito. Os segundos são também situações jurídicas activas que tem um menor grau de tutela- a tutela é só reflexa- qualificando alguns autores como um direito á legalidade, é um direito a que a administração actue de forma legal.
Esta distinção em Portugal com o devido respeito não é particularmente importante, uma vez que existem países onde está mais presente esta distinção uma vez que os tribunais apenas estão aptos para  julgar matérias relativas a interesses legitimos.
Pois, quando se trata de direitos administrativos nesses mesmo países são jugados em tribunais comuns ou civeis.


Como tinha referido a pouco em cima, caso estejam interessados terei todo o prazer em entregar-vos o resto do trabalho que inclui quase todos os princípios basilares da Administração Pública que poderá na minha opinião ser vos útil para o segundo semestre.

Andreia Viegas

Lei Orgânica XIX Governo Constitucional



No âmbito das suas competências de auto-organização, previstas constitucionalmente no artigo 198º/2, cabe a escolha de cada Governo da sua estrutura. O regime jurídica da estrutura governativa do Governo consta das respectivas leis orgânicas, ou seja, varia sempre de Governo para Governo.
Um dos aspectos organizativos que varia são o número de Ministérios e correspondentes Ministros. Analisando as leis orgânicas dos últimos 6 Governos Constitucionais, desde o início do milénio, temos:
·         XIV Governo Constitucional – 22 Ministérios
·         XV GC – 17 Ministérios
·         XVI GC – 19 Ministérios
·         XVII GC – 16 Ministérios
·         XVIII GC – 17 Ministérios
·         XIX GC (actual) – 11 Ministérios
Podemos claramente ver que, com o XIX, o número de Ministérios diminui de maneira bruta. Mas o que levou este Governo a adoptar esta característica organizativa? Tomando uma notícia em que Passos Coelho ainda não integrava o Governo, este referiu “que é preciso reduzir a dimensão do Estado, a começar pelo próprio Governo, e que Portugal pode ter um executivo com um número de ministros não superior a 10"; "Está na altura de racionalizar a dimensão do Estado - mas não é só o Estado em sentido lato das empresas públicas e dos institutos e das fundações, esse exemplo tem de ser dado pelo próprio Governo". A sua justificação foi que "Portugal não tem dinheiro para suportar o Estado gigantesco que foi sendo criado" e que a sua dimensão tem de ser adequada "ao nível do que é suportável pelos impostos" e "Nós temos de ter um Governo que se possa sentar à volta de uma mesa e que, com o primeiro-ministro, possa responder pelas decisões que são tomadas. E isto pode-se fazer com um Governo muito mais pequeno e com um número de ministros não superior a 10. É isto que nós precisamos, desde logo, em Portugal".
Afora as razões financeiras, que estão na ordem do dia, e que parecem ser de louvar, transmitindo a ideia ao povo que a crise actual não pode passar só por este mas que também obriga o Governo a mudanças, é preciso tomar em conta até que ponto o capital pode ser sacrificado sem que hajam perdas consideráveis de eficácia organizativa e interventiva.
Com a tomada de posse do Governo, surgiram vozes a criticar este aspecto organizativo. Tendo consequência jurídico-administrativas, pode-se apontar a falta de operatividade e uma entropia no quadro de funcionamento do Governo, efeitos que o Professor Vasco da Silva referiu. Também Rui Moreira, presidente da Associação Comercial do Porto, acentua o facto de se tratar de uma coligação: “Se fosse só um partido, as coisas eram diferentes, sendo uma coligação em que ainda por cima convivem pessoas de partidos diferentes. Acho que era recomendável reforçar o Governo” (retirado de outra notícia).
Um dos maiores aspectos a criticar é a criação de dois “superministérios”: a fusão dos anteriores ministérios da Economia, Inovação e Desenvolvimento e das Obras Públicas Transportes e Comunicações, bem como da área de emprego e formação profissional do anterior Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social num único Ministério da Economia e do Emprego (MEE), e a fusão dos anteriores ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente e do Ordenamento do Território num Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (MAMAOT), passando também a partilhar as competências atribuídas a outros ministérios (Transportes, Defesa, Negócios Estrangeiros, Educação) em todos os assuntos relacionados com o Mar e com os recursos hídricos. Nas palavras de Rui Moreira, “São muito difíceis de gerir e isso acaba por impedir que haja um contacto mais direto com o setor económico e com a sociedade civil”.
Concluindo, obviamente que os efeitos desta decisão organizativa não são imediatos, nem visíveis prima facie. Alguns dos efeitos serão um difícil controlo e plano sobre algumas matérias, como no caso dos “superministérios”, uma intensificação das relações administrativas entre os órgãos de cada Ministério, etc... Por isso é necessário que uma decisão destas seja planeada/estudada com mais precisão e cuidado, sobretudo num caso como este, em que o Governo veio ao poder no âmbito da demissão do Governo anterior, num quadro de forte pressão internacional por parte do FMI e do memorando celebrado pelo anterior Governo com a Troika.

Filipe Rodrigues

Necessidades Colectivas


O presente texto pretende relevar o interesse que as necessidades colectivas têm no estudo do Direito Administrativo. Como sabemos, a administração pública pode-se empregar em sentido orgânico ou subjectivo quando atendemos à organização, estando em causa os complexos organismos que existem e funcionam para satisfazer as necessidades colectivas. Ou então em sentido material ou objectivo, quando enfatizamos a sua actividade, visando assim a acção regular desses mesmos organismos na satisfação dessas mesmas necessidades colectivas. 

Existe portanto um denominador comum, as necessidades colectivas, arriscando dizer, que estas constituem uma necessidade fundamentadora de toda a acção da administração pública.
Importa, primeiramente, fazer um enquadramento das necessidades, definindo e contextualizando.

O Ser Humano, para perpetuar, necessita de comer, beber, vestir-se, ter habitação, reconduzindo as suas primeiras acções à supressão destas necessidades, que têm o nome de necessidades primárias/fisiológicas. Após satisfeitas as primeiras necessidades, a acção de satisfazê-la e o instrumento de satisfação adquirido criam novas necessidades, estas secundárias e derivadas das primeiras, podendo ter várias naturezas, económicas, segurança, sociais ou culturais.
Ora, a perpetuação das relações na nossa sociedade ampliam as necessidades e estas por sua vez, ampliam as relações sociais que se constituem. É por isto um Universo complexo que merece atenção por parte de várias áreas do conhecimento, sendo o Direito permeável a elas, contribuindo para um melhor entendimento e focalização do agir administrativo.

Tendo em conta isto, a administração pública tem presente um conjunto de necessidades, cuja a sua satisfação é assumida pela colectividade, uma vez que elas carecem da mesma, cabendo aos serviços organizar e manter os organismos com essas finalidades. Contudo a satisfação destas necessidades colectivas exigem grandes quantidades de meios materiais e humanos, desde já a organização de novos serviços públicos mantendo a sua eficiência e eficácia nas diversas áreas (pessoal, material e financeiro). Assim, onde haja de forma intensiva uma carência com expressão colectiva, surgirá um serviço público com o objectivo de suprimi-la em nome do interesse da colectividade. No entanto, nem todos os serviços que visam a satisfação destas necessidades têm a mesma natureza, uns pertencem ao Estado, como é o caso da polícia e dos impostos, outros são organismos autónomos que se auto-sustentam financeiramente, no caso dos correios e linhas férreas.

Mas o que são necessidades colectivas? Como escreveu o Professor Marnoco (no seu Tratado de Sciência da Finanças) “é muito difícil, porém, dar uma noção de necessidades colectivas”. Vários autores tentaram, como HERMARN, que dizia que “estas eram as necessidades sentidas por todos”, ou WAGNER, que escreveu que “estas eram aquelas que um individuo experimentava como membro da sociedade”. Temos ainda a definição de GHINO VALENTI que as descreve como “necessidades abstractas, deduzidas com o raciocínio da função especifica que as diversas entidades morais têm a desempenhar, pelos seus administradores, quer se trate do Estado, quer se trate das autarquias locais, quer se trate de sociedades particulares...”.

Todas, foram alvo de criticas por parte do autor, apontando à primeira que, “nem todos os indivíduos da mesma sociedade estão de acordo relativamente aquilo que se considera uma necessidade colectiva, não havendo tal nível de perfeição, onde todos os indivíduos sintam da mesma forma o conjunto de necessidades dessa comunidade como necessidades próprias”. Está subjacente, não um critério de unanimidade mas sim de maioria. A GHINO VALENTI, o autor aponta, que é “desconhecer a realidade o entender que as necessidades colectivas não são sentidas pelos indivíduos”, uma vez que estes a sentem, por exemplo, relativamente à segurança e educação. As necessidades nunca deixam de ser sentidas pelos indivíduos. Não querendo isto dizer, como SAX , “que as necessidades colectivas correspondem à tendência que domina o Homem para o colectivismo e que as necessidades individuais correspondem à tendência do Homem para o individualismo...”. São necessidades colectivas, na opinião do Professor Marnoco, o estado de insuficiência económica para fazer face aos serviços de interesse geral que constitui as necessidades colectivas. A realização pessoal e social está muitas vezes dependentes destes serviços de interesse geral, como é a segurança, educação, bem- estar económico e social.

Porém, há necessidades que só podem ser satisfeitas pelo Estado como é o caso da segurança. Surge então uma divisão, primeiramente entre, necessidades individuais e colectivas, onde as primeiras são satisfeitas pelos particulares singularmente. As colectivas dividem-se ainda em, privadas ou públicas, estas satisfeitas pelas associações e sociedades e aquelas satisfeitas pelo Estado.
Esta distinção importa, uma vez que “a satisfação de necessidades individuais e colectivas de ordem privada constitui objecto dos fenómenos económicos, ao passo, que a satisfação  das necessidades públicas, constitui objecto dos fenómenos financeiros”.

O Estado produz desta forma três categorias de bens, os bens que só satisfazem necessidades colectivas, os bens que satisfazem tanto necessidades colectivas como necessidades individuais (gratuitamente ou a um preço inferior ao custo), bens que satisfazem não só necessidades colectivas mas também necessidades individuais a um custo inferior caso a oferta coubesse às empresas privadas. Os primeiros tipos de bens e que canalizam para a satisfação de necessidades colectivas são conhecidos como bens públicos, existem ainda os bens semi-públicos, sendo estes aqueles que satisfazem as duas ordens de necessidades.

É desta forma, o Estado que decide sobre a existência de necessidades colectivas e a conveniência da sua satisfação, mais concretamente, os órgãos do Estado que exercem o poder político (assembleias representativas e governo). Como referido anteriormente, as decisões do estado não reflectem uma unanimidade nacional relativa aos interesses a prosseguir mas sim uma opinião maioritária ou minoritária, ressalvado que há sempre uma imposição (legitimada) das decisões tomadas pelo Estado. Sendo assim, as escolhas das necessidades colectivas tem um carácter iminentemente político, obedecendo a critérios variáveis consoante correlações de forças relativas a grupos e classes sociais, podendo por este motivo corresponder à vontade dos muitos ou só de alguns. Pode-se referir que o Estado é provido de quatro razões para estabelecer os bens públicos que devem satisfazer as necessidades colectivas:

- Tem uma perspectiva de interesse geral, ou pelo menos, os seus órgãos e os detentores do poder confrontam-se com a sociedade à luz de critérios de interesse geral.
-Tem uma perspectiva temporal ilimitada e uma capacidade de risco superior à dos outros grupos ou associações.
-Dispõe de poder de autoridade para impor regras de utilização dos bens e seu financiamento (coacção, na sua vertente sociológica).
-Tem uma dimensão que lhe permite empreender esforços que não estão ao alcance de instituições ou pessoas privadas e que a comunidade não consegue resolver com êxito.

Para alcançar estes objectivos e níveis de satisfação a que o Estado se propõe este está dependente de fenómenos financeiros, mais concretamente, das finanças públicas. Ou seja, o Estado pretende ver determinadas necessidades saciadas; propõe-se então a produzir esses bens; essa produção implica despesas; necessitando o Estado de obter receitas para cobrir essas despesas; portanto precisa de meios de financiamento; sendo estes, preços, empréstimos e impostos.

Tudo isto depende, obviamente, da organização política, ideologias e modelos económicos que se pretende elaborar e incutir num Estado. Contribuindo estes elementos, igualmente, para um maior ou menor alcance da sua acção. 

Está assim presente no art 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP) o conceito de democracia económica, social e cultural, que é a fórmula constitucional para aquilo que designamos por Estado-Social, traduzindo-se na responsabilidade pública pela promoção do desenvolvimento económico, social e cultural.

É preciso ter especial atenção ao planeamento do desenvolvimento económico e social, como também o acesso a todos, em situação de igualdade às prestações sociais (saúde, segurança social, habitação), educação e cultura. A realização do Estado-Social é um processo de prática da justiça social e da satisfação das necessidades colectivas, constituindo a melhoria do panorama social como também aperfeiçoamento do Estado de direito democrático, funcionado a estabilidade económica e social como elemento adquirido, logo uma necessidade colectiva que o Estado tem de satisfazer.

O Professor Diogo Freitas do Amaral reconduz as necessidades colectivas a três espécies fundamentais: a segurança, a cultura e o bem-estar.

Na minha óptica a tripartição é excessiva uma vez que a cultura pode ser integrada no bem-estar. Esta pode comportar tanto a realidade económica e social, como igualmente, a cultural. Uma vez que as três áreas referidas obedecem hoje a uma sobreposição e interdependência mútua.

As necessidades colectivas são assim polarizadas em segurança e bem-estar, integrando estas a esfera administrativa, dando origem ao conjunto vasto e complexo de actividades e organismos integrantes do Estado, tendo este o dever de as prosseguir e atingir um grau de satisfação geral.

Bibliografia:

- Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol I, 3ª ed., Almedina.
- Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I.
- J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4ª ed., Coimbra Editora.
- Marnoco e Sousa, Tratado de Sciência das Finanças, Coimbra, vol. I.
- Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 4ª ed., Coimbra.
-A. L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., Coimbra.

Teoria da Impermeabilidade jurídica da pessoa colectiva:

Tendo nós já estudado a organização administrativa, isto é, como é que na prática está estruturada (administração directa, indirecta, autónoma e independente) e que órgãos é que a compreendem, resta perceber como é que na teoria se concebe a organização administrativa – os seus elementos, os sistemas existentes e os princípios orientadores.
No presente texto referir-me-ei apenas a um dos elementos da teoria da organização administrativa: às pessoas colectivas e aos seus órgãos, procurando explicar a teoria da impermeabilidade jurídica e a porquê de hoje já não ter aplicabilidade.

Por “pessoa colectiva pública” entende-se “pessoas colectivas criadas por iniciativa pública para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos” (Professor Diogo Freitas do Amaral).
Já os órgãos são os centros de formação e imputação da vontade da pessoa colectiva.

A questão que vos trago prende-se com o facto de se discutir se são de considerar jurídicas ou ajurídicas as relações que se estabelecem dentro da pessoa colectiva.
A primeira tese (em termos cronológicos) foi a designada “teoria da impermeabilidade jurídica, formulada por Georg Jellinek, que, nas palavras do Prof. Pedro Gonçalves, defende o carácter unitário e indivisível da personalidade jurídica pública e entende as relações intra-orgânicas como relações da pessoa colectiva consigo mesma.
Jellinek recusava-se a admitir a possibilidade de existência de relações internas dentro da mesma pessoa colectiva, pois isso era aceitar que na mesma haveria vários órgãos que formavam a sua vontade, ou seja, que numa personalidade jurídica una (construída à semelhança da pessoa singular, em que à partida só haverá uma vontade) era possível ter várias vontades, por vezes contraditórias, existindo a possibilidade de serem impugnadas internamente (pelos órgãos da mesma).
Lembro que é da opinião de vários autores, entre eles Marcelo Caetano, que a personalidade jurídica é fictícia, quer a dos indivíduos, quer a das pessoas colectivas, assim como a própria pessoa colectiva. Mas mesmo que só se aceitasse que só a pessoa colectiva é fictícia, estando no campo de ficções não vejo o porquê de não se aceitar a relativização da pessoa colectiva.

A partir dos anos 50 esta teoria começou a ser contestada principalmente por duas razões:

 - Se na administração do Estado liberal deparávamo-nos apenas com uma pessoa colectiva pública, o Estado, (há quem diga que o “fisco” era outra…) com o processo da descentralização (e com o surgimento de uma Administração prestadora [Estado Social]) surgiram administração indirecta e autónoma, abrangendo ambas várias pessoas colectivas públicas (sob a forma púbica ou, mais recentemente, sob a forma privada) que prosseguiam também o interesse público ou interesse próprio local;
 - Para além de se terem criado várias pessoas colectivas públicas estas passaram a conter, na sua maioria, não só um órgão, mas vários que, refere o Professor Pedro Gonçalves, embora prosseguindo o que foi definido como interesse público, podem as suas actuações (definidas com base nas suas competências), por vezes, não se compatibilizar ou harmonizar, ou pode um órgão extravasar o âmbito da sua competência, ingerindo-se na de outro.

Pelas razões apontadas, a teoria da impermeabilidade jurídica deixou de ser capaz de explicar estes novos fenómenos, passando-se a aceitar que a existência de relações dentro da mesma pessoa colectiva – relações inter-orgânicas – se encontrava no espaço pertencente ao Direito, sendo, como tal, jurídicas.
Surgia assim um novo ramo do Direito Administrativo (se é que assim lhe posso chamar), um direito que rege as relações internas (as que se estabelecem entre os órgãos da mesma pessoa colectiva), a par daquele que rege as relações externas (as relações que a Administração estabelece com os particulares ou mesmo com outras pessoas colectivas públicas).

A conceber relações internas entres os órgãos poderíamos cair no outro extremo, os órgãos das pessoas colectivas, teriam também personalidade jurídica. É esta a conclusão a que chega uma autor italiano (Salvatore Foderaro), se bem que a personalidade jurídica que o autor reconhece aos órgãos é limitada, já que perante a pessoa colectiva à qual o órgão pertence e face a terceiros (sejam eles particulares ou outras pessoas colectivas públicas ou privadas) esta não existe. Somente face aos outros órgãos da mesma pessoa colectiva é que é possível falar em personalidade jurídica do órgão.

A solução diferente, chega o Professor Pedro Gonçalves: afirmando que os órgãos são sujeitos de direito, isto é, “sujeitos de ordenação e imputação final (não apenas transitória) de poderes e deveres”. Para o autor, o facto de reconhecer certas entidades como sujeitos aos quais é possível imputar direitos e deveres não é sinónimo de atribuição de personalidade jurídica, “pois que a subjectividade jurídica pode existir em substratos despersonalizados”.
De facto até em direito privado encontramos sujeitos com capacidade mas sem personalidade, é o caso das associações não reconhecidas às quais o CC reconhece nos artigos 196º a 198º um fundo comum, similar a um património próprio da associação.
Mas também em direito público é possível achá-los: Vital Moreira, refere que apesar de certos organismos não estarem dotados de personalidade jurídica, podem ter autonomia orgânica, financeira, administrativa e até uma certa autonomia de decisão. Como consequência, por expressa determinação legal têm um “património especialmente afecto, pessoal adstrito, capacidade judiciária, orçamento, contas e receitas próprias, uma esfera de acção própria” e a possibilidade de praticar actos administrativos definitivos.
“Em certo sentido, tais organismos funcionam como se tivessem individualidade própria”- (Vital Moreira).
Também a doutrina alemã, como chamam a atenção os Professores Vasco Pereira da Silva (aulas teóricas), Pedro Gonçalves e Vital Moreira, distingue capacidade de personalidade.
Partindo desta construção os órgão não têm personalidade jurídica (conceito que perde operatividade), mas sim capacidade jurídica parcial, querendo significar que os órgãos:

 - só são titulares de poderes e deveres que lhes sejam especificamente atribuídos pela Ordem jurídica;
 - e que a sua capacidade é meramente interna, “uma vez que são titulares de poderes e deveres apenas em face de outros órgãos da mesma pessoa colectiva”. (para efeitos o art.4º/1 j) ETAF)

Desta forma, a partir de 2004, é possível que órgãos de uma pessoa colectiva impugnem actos de outra pessoa colectiva, por via do artigo 4º/1 alínea j) do ETAF que estatui o  seguinte:

“Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
(…)
 j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir”

Mas já antes (a partir da década de 80) a ordem jurídica portuguesa permitia ao particular impugnar actos de um órgão de uma pessoa colectiva.

Assim há então que separar:
1.      A possibilidade de serem os órgãos de uma pessoa colectiva a impugnar os actos de outros órgãos da mesma;
2.      A possibilidade do particular impugnar o acto praticado pelo órgão da pessoa colectiva.

Quanto ao primeiro ponto há ainda a dizer o seguinte:
Está regulado no art.4º/1 alinea j) do ETAF, e 10º/6 do CPTA (sobre a legitimidade passiva nos litígios – “Nos processos respeitantes a litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva, a acção é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio”), que qualquer litígio ou qualquer conduta que o provoque permite aos órgãos recorrerem judicialmente, o que engloba quer acções quer omissões.
Os litígios que ocorrem podem ser triangulares ou bipolares/dialógicos. Os primeiros surgem quando o acto de um órgão está direccionado para um terceiro, mas um outro órgão da mesma pessoa colectiva reclama que é sua a competência para praticar tal acto (são os chamados conflitos positivos de competência); ou quando, para que um acto direccionado a um terceiro seja eficaz ou válido, é necessária a actuação conjunta de dois ou mais órgãos e um deles se recusa a colaborar. Os segundos surgem exclusivamente entre os órgãos da mesma pessoa colectiva onde se estabelecem relações de supremacia ou de cooperação.
Os únicos órgãos que podem recorrer, de acordo com a interpretação que Professor Pedro Gonçalves faz o art.4º/1 j) do ETAF são aqueles que são titulares de direitos subjectivos, que se caracterizam por:

·     Serem independentes, no sentido de não pertencerem a nenhuma estrutura hierárquica, pois nesse caso os litígios que surgissem seriam resolvidos por decisão do superior hierárquico;
·         Prosseguirem interesses que sejam tutelados pela ordem jurídica como interesses próprios do órgão e que correspondem a interesses específicos de uma determinada(s) categoria(s) de pessoa(s).

Este direito subjectivo de que são titulares determinados órgãos é um direito ao exercício da sua competência (direito a que faça uso desta sem qualquer impedimento ou perturbações ilegítimas provocadas por outros órgãos); e cujo âmbito de eficácia é meramente interno – o direito de um órgão face a outro órgão da mesma pessoa colectiva.

Chama a atenção o Professor Domingos Farinho que esta possibilidade não se coaduna com a principal razão da relativização da pessoa colectiva, já que esta teve como causa principal a necessidade de assegurar a protecção dos direitos dos particulares.
Na realidade o facto de um órgão da mesma pessoa colectiva poder impugnar actos de um outro órgão da mesma pessoa colectiva, ao invés de proteger o particular, pode prejudica-lo: se o particular tinha já adquirido algo por via de um acto administrativo que posteriormente é impugnado, vê-se ou pode ver-se despojado do que tinha já adquirido.
O preceito visa assegurar o direito do órgão ao exercício da sua competência, na perspectiva do Professor Pedro Gonçalves; mas também assegurar o princípio da legalidade que, julgo, embora naquela situação possa não beneficiar o particular, prosseguirá o interesse público, no sentido de que este está também interessado que a legalidade seja observada.

Quanto ao segundo ponto:
A meu ver, se esta teoria que relativiza o conceito de pessoa colectiva pública e subjectiviza toda a administração, pode ter como desvantagem uma possível perda de eficácia, face à construção da impermeabilidade jurídica, já que os procedimentos que têm de ser atendidos pelos órgãos são imperativos, poderão tornar mais demorada a actuação da Administração, nem por isso deixa de ser mais positiva.
Como refere o Professor Domingos Farinho, seguiu-se esta via para a PROTECÇÃO DO PARTICULAR, que de facto está mais assegurada agora:
Obrigando a Administração, nas suas relações internas, a actuar num espaço regulado pelo Direito e não totalmente desregulado juridicamente (não quer dizer que não houvessem talvez normas informais que indicassem aos órgãos como agir), o particular tem agora a certeza que a actuação dos órgãos da pessoa colectiva são legítimos e legais, sabendo a que órgão é que se tem de se dirigir se quiser ver satisfeita alguma necessidade sua, ou se quiser impugnar um acto do mesmo.

Concluindo, o facto de se ter ultrapassado a impermeabilidade jurídica da pessoa colectiva, permitiu vir proteger o particular numa dupla vertente: este é protegido por poder questionar ou impugnar o acto do órgão (colocando a questão ao próprio autor do acto); e é-o também, embora não tão directamente, a meu ver, quando o ETAF, no art.4º/1 j), permite órgãos impugnarem actos de órgãos da mesma pessoa colectiva, assegurando o princípio da legalidade.

Ana Catarina Melícia, nº 21921