quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Relatório do Governo


Direito Administrativo
Posição do Governo
Após analisar todas as propostas apresentadas relativamente ao tema da reestruturação do serviço público de televisão, o Governo considerou todas as vantagens e desvantagens de cada uma destas e procurou decidir tendo em conta a actual situação económica e o interesse nacional.
Por um lado, há uma necessidade constitucional de serviço público televisivo, expressa no artigo 38º/5 que exige um tipo de informação correspondente com o tão controverso “interesse público”.
Por outro lado, existe a velha questão da eficiência e da lucidez económica; e sabendo a enorme dimensão do passivo total da RTP, e o encargo que representa para um estado social com urgentes necessidades de rentabilidade, acentuadas pelo contexto actual de assistência externa e de instabilidade social.
O Governo procura então uma solução que abranja as duas vantagens, procurando encontrar um precioso equilíbrio entre os dois “pratos da balança”.
Vamos passar, então, à análise de cada proposta individualmente:
Proposta 1: Manutenção do actual modelo de 2 canais televisivos, mediante contrato de concessão a empresa pública, com melhoria de qualidade de gestão e rentabilização dos custos;
O governo rejeita esta proposta pelos seguintes motivos:
1. No relatório apresentado é mencionado que o interesse público “varia consoante o público, concepções políticas, o tempo e o lugar”. De acordo com a noção apresentada, não nos parece ser de interesse público a manutenção de dois canais sem rentabilidade em tempo de crise.
2. Nos diplomas legais referidos (art.º 38.º, n.º 5; 39.º, n.º 1) não é mencionado de forma alguma que tem que ser o Estado a fornecer este serviço. Apenas se diz que tem de ser o Estado a assegura-lo. Julgamos que assegurar e fornecer têm um significado distinto; pelo que o Estado poderia arranjar mecanismos de assegurar sim este serviço, sem ter de fornecê-lo directamente.
3. é certo que esta posição seria aquela, segundo a qual, o Estado melhor garantiria os Direitos Fundamentais previstos no art.º 9.º, al. f) e e), 1ª parte, como a
Direito Administrativo
promoção da língua portuguesa e da cultura, educação, formação, sem esquecer dos interesses das minorias. No entanto, a independência do poder político e económico é garantida de forma mais eficiente por um privado.
4. Já foi tentada uma reestruturação deste serviço que não foi bem sucedida.
Proposta 2: Privatização Parcial
O Governo rejeita esta proposta porque:
1. Há uma contradição entre a visão adoptada em relação à televisão pública (ora como uma necessidade apenas convenientemente assegurada pelo Estado, ora como um mero “cancro financeiro”)
2. Há a convicção de que haverá um privado que aceite investir na RTP, tendo de sustentar “prejuízos enormes” (com certeza o Estado não será cavalheiresco ao ponto de querer partilhar apenas os lucros) sem isso se traduzir numa gestão livre e absoluta da estação (estaria sempre sujeita ao controlo do Estado). A nosso ver esta convicção é utópica.
3. No fundo, embora esta seja a proposta que aparentemente melhor conjuga as exigências constitucionais com as exigências económicas actuais, esta peca por um certo irrealismo, e por, tendo em conta que é uma posição muito neutral relativamente às posições mais extremadamente de privatização ou manutenção, acabar por não adquirir claramente nem as vantagens de umas nem de outras.
Proposta 3: Privatização de um canal e serviço público assegurado pelo canal restante.
1. É dito que “o serviço público de televisão passa por garantir um canal televisivo imparcial política e economicamente,(…) e por garantir a existência de conteúdos de qualidade objectiva.”. Consideramos que a gestão estatal nem garante total imparcialidade (como é observável em termos de facto) nem a qualidade objectiva do conteúdo do serviço televisivo (sendo esta convicção até um pouco “paternalista”).
2. Manter um canal de interesse público no seu sentido mais puro e constitucional (no sentido de conteúdo educativo e cultural segundo a perspectiva do Estado) não corresponde ao interesse público real não só por não corresponder ao gosto cultural da maior parte da população (as audiências actuais da RTP2 demonstram-no)
Direito Administrativo
mas também por se revelar como mais um fardo que os contribuintes serão obrigados a sustentar.
3. Esta proposta, apesar de ser a que melhor interpreta o sentido constitucional de “interesse público”, basicamente desiste do argumento económico ao optar por uma estação completamente inviável.
Proposta 4: Privatização total da RTP
O Governo aderiu a esta proposta porque:
1. O Governo concorda com a visão da norma constitucional presente no art.38º/5 apresentada pelo grupo defensor da proposta, não encontrando na letra da lei motivos suficientemente fortes para afastar taxativamente a interpretação feita (tão subjectiva e questionável como todas as outras). Concluímos, por isso, que o serviço público televisivo não tem necessariamente de ser controlado por um Canal Estatal.
2. Tendo ainda em conta o contexto actual, e a necessidade de contenção e eficiência económica, esta proposta parece ser a que mais clara e directamente prossegue os interesses do País.
3. De todas as propostas, foi aquela que revelou maior relação factual com a realidade nacional e o contexto actual (expondo problemas procedimentais (a demora e complexidade processual de qualquer solução que implicasse uma reestruturação e manutenção da RTP – que se traduziria num aumento dos custos), organizacionais (actual situação de caus estrutural, burocrático e organizacional da Administração Pública e a forma como esta situação contagia e esmaga a RTP) e financeiros (o total do passivo da RTP é, como referido, de 838.780.422,81 euros.)
4. Viabilidade da proposta do Caderno de Encargos como forma de persecução do serviço público constitucional, sem recorrer a qualquer tipo de paternalismo ou elitismo na interpretação do sentido de interesse público.
Ana Paula Pinhal Fernandes 17153
Catarina Adão Lima 22501
Maria Francisca Osório Ferreira 22027
Marta Queiroz de Andrade 22031

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Governo estuda transferência de gestão de escolas para as câmaras

Ainda sobre a tutela (art. 199º/d e art. 242º/1 CRP) e a delegação de poderes (art. 35º CPA), uma nova medida do Governo, que pode ser lida aqui.
Esta decisão não só deve respeitar o cumprimento da legalidade, como, de um certo modo, pode assegurar o mérito, pois esta medida pode ser também vantajosa do ponto de vista fincanceiro e de gestão de recursos, o que leva a questionar se também nas autarquias locais não se pode verificar, em certos casos, uma tutela de mérito. Está em causa a gestão dos funcionários, transportes, cantinas e acção social, competências do Governo, que serão transferidas para as Câmaras. Mais uma prova de que a complexidade da função administrativa justifica a descentralização.
 
Filipa Otero

Sobre a Tutela Administrativa - trabalho de grupo

Deixo-vos aqui o resumo do nosso trabalho de grupo referente à tutela administrativa.
 
Definida pelo Professor Freitas do Amaral, a tutela é o conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação.
Deste modo, a tutela pressupõe que hajam duas pessoas colectivas distintas, sendo que uma delas deve ser uma pessoa colectiva pública. No caso português a tutela administrativa é confiada ao Governo, o órgão máximo da Administração Pública, nas suas competências administrativas (art. 199º/d CRP). André Folque vê na tutela, uma relação jurídica interadministrativa dissimétrica, em que cada um dos sujeitos é simultaneamente titular, perante o outro, de posições activas e passivas conexas entre si. Existe tutela na administração indirecta e na administração autónoma. Na administração indirecta verifica-se não só um poder de tutela, como também um poder de superintendência.
Além de uma relação intersubjectiva, outras conclusões que podemos retirar da definição dada pelo Professor, é que os poderes tutelares traduzem-se em poderes de controlo e de fiscalização, com a finalidade de assegurar a legalidade e o mérito.
O que é a tutela de legalidade e a tutela do mérito? A primeira significa que os actos administrativos devem estar conformes à lei; já a segunda reporta-se a questões de conveniência, se a decisão administrativa é favorável do ponto de vista técnico, fincanceiro e administrativo. Na administração autónoma há apenas tutela de legalidade (art. 242º/1 CRP). Torna-se fundamental respeitar o princípio da legalidade, constitucionalmente garantido (art. 3º/ 2 CRP) e também um dos princípios do Direito Administrativo (art. 266º/2 CRP e art. 3º CPA). A legalidade pressupõe uma preferência de lei e uma reserva de lei. A primeira veda à administração que contrarie o direito vigente, ao passo que a segunda exige que a actuação administrativa tenha fundamento numa norma jurídica.
Voltando às características da tutela administrativa, devem ser enunciadas as seguintes: a tutela confere ao órgão tutelar a faculdade de fiscalização de outros entes menores; a intervenção do órgão tutelar não se presume, ela respeita um princípio de tipicidade (institutos públicos - art. 41º LQIP; empresas públicas - art. 29º do Decreto-Lei nº 558/99; autarquias locais - art. 241º/1 CRP). Uma última característica aponta para o facto de, apesar de haver controlo dos entes menores, não se trata de uma relação de subordinação, pois são duas pessoas colectivas diferentes, e o próprio ente menor conserva uma autonomia e uma personalidade jurídica distinta do ente tutelar.
São três as teorias que justificam a natureza jurídica da tutela, a saber:
 
1) Analogia com a tutela civil: a tutela administrativa seria muito semelhante à tutela civil, na medida em que ambas visariam o suprimento de incapacidades. A tutela civil supriria incapacidades da pessoa concreta, enquanto que a tutela administrativa visaria o suprimento de deficiências dos actos administrativos.
 
2) Tese da hierarquia enfraquecida: defendida pelo Professor Marcello Caetano, os poderes tutelares seriam como poderes hierárquicos, mas enfraquecidos, pois está em causa a tutela de entidades autónomas e não a tutela de entidades dependentes. Como refere o Autor "nos poderes tutelares é, de resto, fácil encontrar os poderes hierárquicos enfraquecidos ou quebrados pela autonomia"
 
3) Tese do poder de controlo: esta é a tese seguida pelo Professor Freitas do Amaral, que entende que os poderes tutelares nunca podiam ser poderes hierárquicos, pois na hierarquia verifica-se poderes de direcção. O que se passa na tutela é não mais que poderes de controlo, ou seja, de fiscalização da actuação do ente tutelado. Refere também que além dos poderes de fiscalização, a tutela assegura o acatamento da legalidade e do mérito da actuação.
 
Trabalho realizado por:
David Cerqueira
Filipa Otero

domingo, 16 de dezembro de 2012

Ordens Profissionais




Ordens profissionais

Enquanto estudava e pensava num tema interessante para fazer um comentário, deparei-me com o ponto referente às ordens profissionais. Após a leitura encontrei alguns aspectos que penso serem interessantes para discussão.

Inicialmente, é necessário integrar as ordens profissionais na Administração autónoma do Estado. O professor Freitas do Amaral esclarece na página 420 do manual o que é Administração autónoma – “é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo”.

A Administração autónoma, por sua vez, subdivide-se em dois tipos: associações públicas e autarquias locais. É no primeiro grupo que encontramos as ordens profissionais. Assim, utilizando também uma definição do professor Freitas do Amaral, associações públicas são as “pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim”.

Depois de ter lido a matéria perguntei-me porque estariam as ordens profissionais dentro da Administração autónoma e não na directa ou na indirecta. Respondendo, recorrendo novamente ao manual do professor Freitas do Amaral, pensa-se que a lei ao “criar para o efeito uma associação pública, transferindo para ela poderes de autoridade originariamente pertencentes ao Estado, a lei está a reconhecer de forma implícita que, nas circunstâncias do caso, um certo interesse público específico será melhor prosseguido pelos particulares interessados, em regime de associação, e sob a direcção de órgãos por si próprios eleitos, do que por um serviço integrado na administração do Estado.”

Torna-se então indispensável para se perceber o tema, conhecer as funções das ordens profissionais. Existem quatro funções das ordens profissionais: 1 – representação da profissão face ao exterior; 2 – apoio aos seus membros; 3 – regulação da profissão; 4 – administração acessória ou instrumental. A mais importante das funções é sem dúvida a de regulação da profissão, ou seja, o controlo do acesso e do exercício. O acesso traduz-se na verificação dos requisitos académicos, na realização dos estágios e provas de admissão e decide sobre a inscrição ou não inscrição dos candidatos. No exercício prevalece a tarefa de regulação disciplinar dos membros da ordem.

Vislumbram-se assim, algumas das características das ordens profissionais, sendo estas que apresentam alguns problemas. São elas:

1 – Unicidade, que impede a existência de outras associações públicas com os mesmos objectivos e com o mesmo âmbito de jurisdição;

2 – Quotização obrigatória, é uma contraprestação pelos serviços prestados pelas ordens aos seus associados;

3 – Auto-administração, traduz a descentralização, democrata e participada, pretendida pela a Administração Pública;

4 – Poder disciplinar; implica a existência de um conjunto de garantias dos seus destinatários (que vai até à interdição do exercício da actividade profissional);

5 – Inscrição obrigatória, deve-se à conveniência de fazer recair sobre todos os profissionais de cada sector os custos correspondentes aos benefícios resultantes da actividade da corporação.

É neste último ponto que recai todo o problema. A inscrição obrigatória viola claros direitos fundamentais. A obrigação de inscrição representa uma restrição à liberdade de associação, artigo 46º CRP e uma restrição à liberdade de profissão, artigo 47º CRP.

Estas liberdades estão condicionadas por um lado pela unicidade, mas principalmente com a inscrição obrigatória pois as ordens profissionais não reconhecem àqueles que pretendam exercer a profissão que elas representam a faculdade de não se inscreverem. Mais, não reconhecem aos seus membros o direito de cancelarem a respectiva inscrição continuando a exercer a profissão. Simplificando, para se exercer certas profissões como por exemplo advocacia é necessário e imperativo fazer parte da Ordem dos Advogados, independentemente de quaisquer circunstâncias que possam existir.

Porém, as restrições não se colocam todas da mesma maneira. Quer isto dizer que há quatro diferentes situações dentro das próprias restrições.

1 – A profissão já foi escolhida e apenas se trata de garantir o seu exercício, ou seja, não se pode ser impossibilitado de exercer a profissão a não ser por decisão judicial ou administrativa. Exige-se, pois, que a lei institua um procedimento disciplinar equitativo;

2 – Quando os requisitos estão preenchidos há um verdadeiro direito à inscrição. A liberdade de profissão exige, quanto estes indivíduos, a conformação por lei a um procedimento justo de acesso;

3 – Há também a situação daqueles indivíduos que apesar de preencherem os requisitos, optaram por não se inscrever. Neste caso, há uma liberdade de exercerem uma profissão relacionada com a formação académica de que são titulares, mas com a obrigação de respeito pela profissão a que não pretendem a aderir;

4 – Por fim, existem aqueles que não têm qualificações para serem candidatos à ordem profissional em causa;

Após esta apresentação, está identificado o problema das restrições às liberdades de associação e profissão consagrados na Constituição. Penso que as quatro situações apresentadas a cima não justificam a violação de preceitos constitucionais. Então, qual será a argumentação que justifique a violação destes artigos? É certo que ninguém, ou quase ninguém põe em causa esta inconstitucionalidade. Mas porquê? Terá esta aceitação geral levado à formação de costume constitucional derrogando os artigos em relação às profissões que careçam da necessidade de pertencer a uma ordem profissional? Talvez seja uma resposta possível, mas penso que é no Direito Administrativo que se encontra a explicação.

Sendo um problema de violação de normas constitucionais, o problema parece ser de Direito Constitucional e não de Direito Administrativo. Porém, a pergunta que se levanta é como será possível que o texto fundamental do nosso ordenamento seja violado como se nada fosse. Penso então, que apenas algo com uma enorme força faz com que sejam possíveis estas duas restrições. E será que essa força não será o interesse público? Não será que o interesse público é o principal “culpado” pela violação dos dois artigos? As ordens profissionais seguem o interesse dos seus membros, são por eles geridas. O Estado não tem sobre elas hierarquia ou superintendência, deixa a sua administração totalmente entregue aos seus órgãos.

Sendo uma associação pública, entende-se que é do interesse do Estado o fim que elas prosseguem, mas por razões de transparência, eficiência, o Estado dá liberdade para que as entidades da Administração autónoma definam as actividades que devem exercer.

Assim, devido aos fins prosseguidos por estas ordens profissionais serem de interesse público, serem os benefícios que delas provêem maiores do que os prejuízos, justificam-se estas restrições. Aliás, continua a existir liberdade de associação e profissão, estas apenas são controladas em certos casos, nos quais se decidiu que para se exercer determinadas profissões tem que se pertencer a uma ordem.

Há uma clara preocupação na actividade profissional. Penso que de modo a evitar problemas graves, como alguém fingir ser advogado sem as qualificações necessárias para tal levando a que um terceiro saia gravemente prejudicado, permitiu-se que as ordens profissionais não respeitassem as normas dos artigos 46º e 47º CRP.

É normal que haja discórdia em relação há verdadeira necessidade das ordens profissionais, mas para que os particulares não sejam prejudicados o Estado criou um sistema de controlo e regulação.

Na minha opinião, penso que estas são fundamentais para que a actividade profissional não esteja à deriva, para que quando seja preciso usufruir da actividade de outrem saibamos que essa pessoa está qualificada para tal, para que quando as coisas não correm bem, isto é, dentro dos conformes da boa-fé e dos limites da Ordem Pública, possa haver um órgão que as responsabiliza podendo chegar ao ponto de os excluir da profissão.

Concluindo, penso que o interesse público se sobrepõe às normas constitucionais, pelo que sendo as ordens profissionais essenciais para o normal procedimento da actividade profissional, justifica-se a restrição de duas liberdades. Claro que muita gente discorda deste ponto, afirmando que as normas da Constituição não podem ser violadas, mas tratando-se de um interesse geral das pessoas talvez a restrição seja um “mal menor” do que poderia existir caso não houvessem ordens profissionais.

Gonçalo Cabral de Moncada

sábado, 15 de dezembro de 2012

A delegação de poderes; A questão da delegação tácita; As delegações hierárquicas

http://www.dgap.gov.pt/upload/homepage/Noticias/3315433156.pdf

A "desconcentração de competências" nas palavras do Prof.º Diogo Freitas do Amaral define-se como:" O sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direcção e á supervisão daquele".

A desconcentração pode assumir duas feições, ela poderá ser originária ou voluntária (derivada). Será originária quando for a própria lei que vai desconcentrar os poderes. Por outro lado, fala-se em desconcentração voluntária quando, seja, permitido a um órgão descentralizar os seus poderes/funções a um outro órgão.
Exemplo concreto da desconcentração voluntária é a delegação de poderes.
O conceito de delegação de poderes é um conceito clássico: É o acto pelo qual um órgão da administração normalmente competente para decidir em determinada matéria permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos nessa mesma matéria.

Como é que se procede então à delegação?

Presente no artigo 35º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo (C.P.A) é necessário analisar primeiramente os seus requisitos que são cumulativos:

1º- É preciso que o órgão seja competente para delegar poderes noutro (ou seja, tem que ser titular da competência para delegar); O órgão delegante tem que ser competente;

2º- É necessário uma lei de habilitação (por respeito ao princípio da legalidade da competência) que permita ao delegante delegar; A lei tem de permitir essa delegação de poderes num outro órgão. Se se permitisse sem mais nem menos a um órgão delegar haveria uma violação do princípio da legalidade da competência uma vez que era permitido ao órgão delegante a todo o tempo renunciar das suas próprias competências (pelo menos na prática o artigo 29º do C.P.A não permite tal situação: deve-se entender a competência como algo irrenunciável e inalienável; É necessário a lei de habilitação que vem permitir uma desconcentração que não é originária mas sim voluntária (derivada) de competências;

3º- Têm de existir dois órgãos nomeadamente: um delegante e outro delegado;

4º- O acto de delegação tem de obedecer a lei (uma vez que só é possível delegar os poderes que são permitidos por lei) é necessário também respeitar os limites da mesma: art.37º1 C.P.A;

5º- O acto de delegação tem obrigatoriamente de ser publicado no Diário da República, isto porque, o particular tem o direito de saber que houve essa delegação. De acordo com o 37º/2 do C.P.A, nos casos da administração autónoma deverá ser colocado no boletim da autarquia. Para se saber então se essa competência é própria ou delegada é necessário que haja a publicação e a respectiva menção: artigo 38.º do C.P.A
Cumpridos estes requisitos essenciais, a delegação de poderes, vai habilitar o outro órgão a praticar actos sobre a matéria que o órgão delegante é competente.

No C.P.A, nomeadamente no seu artigo 35º/2 poderá retirar-se do elemento literal da norma que a delegação de poderes só poderá ocorrer no seio de uma hierarquia, leia-se: "imediato inferior hierárquico". Porém, o Profº. Diogo Freitas do Amaral não segue o mesmo rumo para o qual poderá apontar a previsão normativa, dizendo então, que é possível a delegação de poderes fora da hierarquia: o que vem permitir que um órgão de uma determinada pessoa colectiva delegasse poderes noutra pessoa colectiva distinta. Ou até mesmo, que houvesse uma delegação dentro do Governo, de um Ministro ou de um Secretário de Estado num Director Geral de outro departamento que não corresponde efectivamente ao seu.

Já o Profº.João Coupers nas suas "Lições de Direito Administrativo” admite que a maioria esmagadora dos casos de delegação ocorra no âmbito de relações interorgânicas (entre os órgãos da mesma pessoa colectiva) mas não se deve, no entanto, ignorar que mesmo em Portugal conhecem-se múltiplos casos de delegação de competências de uma Câmara Municipal nas respectivas Juntas de Freguesia (artigos 37º/1 e 66º da Lei nº169/99), e casos de delegações de membros do Governo em órgãos directivos de institutos públicos.

Com a delegação de poderes não se deve confundir porém a delegação tácita. Na primeira situação é necessário o acto delegação nos termos referidos, nas situações de delegação tácita não há uma delegação. É uma figura afim.
Analisando então a declaração tácita, podemos começar por afirmar a sua complexidade, nesta figura está presente uma diferença radical face à delegação de poderes. Essa diferença é exactamente o facto de não existir o acto de delegação. A delegação tácita não é uma delegação implícita: é uma delegação feita por lei, onde não existe o acto de delegação. O exemplo mais óbvio está presente na Lei Orgânica do Governo, nomeadamente, a delegação tácita do Conselho de Ministros no 1º Ministro.
No entanto, fala-se em delegação tácita porque esta figura contém alguns dos poderes típicos da delegação nomeadamente:

1-o delegante tem um poder de quase direcção;

2-Tem o poder de revogar os actos daqueles em quem delegou poderes (O Conselho Ministros pode revogar os actos do Primeiro Ministro);

3- Tem o poder de fazer cessar a delegação;

Tem então uma série de aspectos que a aproxima da delegação de poderes, estando a meio caminho entre o que é uma delegação de poderes (desconcentração derivada) e entre aquilo que se pode denominar de transferência legal de competências (que é por exemplo: quando a própria lei transfere a competência do Director-Geral X para o Director de serviços ou para um presidente do instituto Y. Não há aqui uma delegação, logo, também não há uma situação de desconcentração).

Alguns autores, como por exemplo, o Profº. Marcelo Rebelo de Sousa e o Profº Diogo Freitas do Amaral, acabam, por integrar e considerar a delegação tácita como uma desconcentração originária, porque, é feita imediatamente por lei. E retiram então do princípio da legalidade, a impossibilidade de por mero acto administrativo se poder revogar a delegação, o delegante não lhe pode por termo, nem poderia exercer sobre o delegado os poderes que dispõe numa situação de verdadeira delegação de poderes.
Já para o Prof.º João Coupers tudo indica que a declaração tácita é uma verdadeira delegação de poderes à qual se deverá aplicar o mesmo regime desta.

Quanto às espécies de delegação:
Fala-se em delegações amplas ou restritas (este critério de distinção refere-se então ao número permitido de competências que podem ser objecto de delegação de poderes) As matérias devem ser delimitadas pela positiva, não é possível uma delimitação de competências pela negativa. Ainda na opnião do Profº. Freitas do Amaral e do Profº Paulo Otero não é possível uma delegação total. Como menciona o Profº Freitas do Amaral, existem competências que são pela sua natureza indelegáveis nos termos da lei (como por exemplo: os poderes de um superior hierárquico).

O problema relativamente à distinção entre as delegações hierárquicas e não hierárquicas:
Existem delegações hierárquicas quando se está a delegar no quadro da hierarquia, seja na hierarquia interna seja na externa. No entanto é admissível haver delegações em órgãos fora da hierarquia (veja-se a lei 8/2004) e até mesmo fora da própria pessoa colectiva onde se encontra o órgão delegante inserido. É o que se chama de delegação intersubjectivas (entre órgão de pessoas colectivas públicas diferentes), não há uma hierarquia, logo existe uma delegação não hierárquica. Tudo isto permite acrescentar outra classificação face à delegação de poderes: a diferença entre delegações intra-subjectivas e inter-subjectivas. Na primeira situação refere-se a delegações dentro da mesma pessoa colectiva pública seja enquadrada em relação hierárquicas ou não. Já o segundo conceito são delegações entre órgãos de pessoas colectivas diversas.

Questão divergente é a de saber se nas relações hierárquicas se o superior hierárquico delegar no seu inferior hierárquico é o primeiro considerado como superior hierárquico ou apenas como delegante?

A tese apoiada pelo Profº Marcelo Caetano e durante muitos anos pelo profº Diogo Freitas do Amaral: É a seguinte, nas delegações hierárquicas, o superior hierárquico mantem os seus poderes enquanto tal e portanto mesmo que se considerasse como um delegante ficava com mais poderes. Há uma diferença fundamental: O superior hierárquico pode dar ordens ao passo que o delegante não pode dar ordens apenas tinha o poder de delegar.

A segunda opinião, defendida pelos Profºs Paulo Otero, Marcelo Rebelo de Sousa e hoje em dia também por Freitas do Amaral é que, nas delegações em relações hierárquicas existe uma espécie de congelamento da hierarquia. Isto é, sobre a matéria objecto de delegação suspende-se a hierarquia e o superior hierárquico só tem os poderes de um delegante. Esta é tese que hoje mais apoiantes detêm.

Andreia Viegas

Um olhar (muito) geral sobre privatizações

Complementando o post do Antonio, aqui fica um post relacionado com a privatização da ANA. Ou seja, a ANA, Aeroportos de Portugal, S.A. (que, tal como o Antonio explicou, é hoje ainda uma empresa pública societária, fazendo, portanto, parte do Sector Empresarial do Estado) vai passar a pertencer exclusivamente a privados (se a Madeira aceitar desfazer-se dos 20% que detém sobre os aeroportos da região), o que torna Portugal uma das excepções "numa Europa com aeroportos públicos". No caso particular na ANA, estaremos, assim, perante um afastamento total do Estado, que, em princípio, não ficará com posição de accionista. A decisão sobre a venda da ANA será tomada pelo Governo, em princípio, no dia 27 de Dezembro. Na passada sexta-feira, um consórcio de investidores formado pela brasileira CCR, pela Flughafen Zurich (que gere o aeroporto de Zurique) e o fundo de investimento GIP apresentou a sua proposta à compra da ANA. Note-se que há mais investidores interessados. A título de curiosidade, ressalte-se que o candidato que for escolhido pelo Governo terá de apresentar um sinal de 100 milhões de euros. Assim que a venda estiver concluída, a concessão dos aeroportos nacionais será transferida para o investidor escolhido, por um período de 50 anos.
As privatizações dos aeroportos rebentaram nos anos 90, quando se percebeu que os aeroportos, mais do que infra-estruturas, desempenhavam um papel económico de peso, afectando vários sectores à sua volta. Assim, as privatizações de aeroportos (ainda que parciais, como se verifica - no quadro ilustrado pela notícia que deixo abaixo - por exemplo, no aeroporto de Atenas, em que o Estado grego detém 55% do capital, ou totais, como em França e no Reino Unido) apareciam como necessárias para aumentar a eficiência da gestão e um aumento de capital indispensável. 
A privatização de empresas públicas portuguesas - como a RTP, a ANA ou a TAP - insere-se actualmente na situação de crise económica a que se assiste. Há já alguns anos que lemos milhares de noticias sobre a crise, a troika e a austeridade. Centenas dessas notícias aparecem-nos com pormenores técnicos, económicos e jurídicos que, por vezes, confundem o olhar leigo. O que se passa (especificamente neste problema de privatização de empresas públicas) é exclusivamente o seguinte: é urgente encontrar dinheiro para diminuir o défice; é urgente diminuir despesas e encargos como os que a manutenção de aeroportos (ANA) ou de canais de televisão (RTP) acarretam, para libertar o Estado de pesos difíceis de sustentar; é urgente manter o compromisso que o Estado português celebrou com o BCE, o FMI e a Comissão Europeia. O que se passa, metaforicamente, é a tentativa de o Estado se manter à tona da água, sem se afogar (se é que ainda vai a tempo...), arrastado pelos pesos das despesas que tem com empresas publicas (que, à vista dos mais liberais, é dispensável, visto que o Estado não tem de fornecer nenhum dos serviços prestados pelas referidas empresas). Não discuto aqui se as privatizações serão a melhor solução ou se, dentro das privatizações, serão estas as melhores empresas a vender a privados e se será este o melhor processo. Pretendo apenas, com esta noticia (se bem que com um teor menos jurídico e propositadamente mais corrente), elucidar um pouco mais acerca do tema das privatizações, ou seja, da passagem de empresas públicas - que, logicamente, se inserem no SEE e, assim, dentro da Administração Pública - a empresas privadas, controladas por privados - que, provavelmente, não serão portugueses.

Aqui, ficam, concluindo, algumas notícias relacionadas com o tema:
Público: http://www.publico.pt/economia/noticia/portugal-vai-ser-excepcao-numa-europa-de-aeroportos-publicos-1577463
Público:  http://www.publico.pt/economia/noticia/-ccr-flughafen-e-gip-ja-entregaram-oferta-para-a-tap-1577485
Público: http://www.publico.pt/economia/noticia/oposicao-volta-a-contestar-privatizacao-da-ana-e-da-tap-1577198
Sic Notícias: http://sicnoticias.sapo.pt/economia/2012/12/14/seguro-pede-suspensao-da-venda-da-tap-porque-falta-de-transparencia-no-processo

Madalena Narciso

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Lei de opção de órgãos administrativos


Enquanto pensava sobre o que é que poderia escrever e comentar, deparei-me com um caso real entre um órgão de administração pública (Biblioteca Nacional Portuguesa - BNP) e um particular.

Resumidamente, a BNP exerceu um direito legal de preferência para adquirir três bens bibliográficos, que tinham sido adquiridos em leilão pelo tal particular. Até aqui nada de mal. Porém, o particular deparou-se com uma lei de bases sobre o património cultural, na qual vem referido a necessidade de os bens necessitarem de estar classificados ou em vias de classificação para que a BNP possa exercer o seu direito. Este processo de classificação está presente na lei de bases, podendo a BNP dar origem ao mesmo se pretender e se o bem em causa preencher os requisitos necessários, conforme expresso na lei.

A BNP, em sua defesa, afirma não ser necessário esta classificação, pois a sua lei orgânica atribui um exercício de direito de preferência genérico e que o interesse público justifica o pontual e selectivo exercício desse direito.

O Tribunal Administrativo concordou com a BNP.

Cabe-me agora fazer um comentário: 

Em primeiro lugar, penso que nos deparamos com um caso em que há um choque entre o interesse público e o interesse particular. Por um lado, o Estado pretende obter determinados bens que considera serem importantes para o património cultural; por outro, os particulares não querem abdicar do seu direito de adquirir os bens em causa. Na minha opinião, se há interesse público na obtenção dos bens, penso que o Estado deve ter os meios necessários e suficientes para os adquirir. Porém, como vimos esse não é o problema, pois esses meios existem. Assim, o Estado deveria ter cumprido o processo previsto na lei de modo a evitar problemas posteriores.

Ora acontece que o Estado apesar de saber que dispunha dos meios necessários para adquirir os bens, não os praticou. Preferiu exercer um direito, não respeitando as “regras”. É neste ponto que chocam os interesses. Penso que o interesse público deve prevalecer, mas não pode “atropelar” os particulares como se nada fosse, não pode ser exercido sem qualquer critério, não pode estar submetido à simples vontade dos representantes do Estado. Se houve a preocupação de legislar determinadas matérias, é porque certamente se pretendeu salvaguardar todos os interesses e prevenir eventuais abusos.

Concluindo esta primeira apreciação, acho importante sublinhar que os representantes do Estado tinham conhecimento da legislação e dos mecanismos próprios para poderem exercer o direito, mas ignoraram-nos. Este comportamento transmite uma sensação de que o Estado é intocável, que pode agir segundo a sua livre e espontânea vontade sobre o argumento de cumprir o “interesse publico”. Leva-nos a supor que na prática vigora um sistema objectivista da administração pública, concedendo poderes ilimitados à actuação pública. Mas a jurisprudência tem afirmado que a solução equilibrada se encontra num “meio termo” entre o objectivismo e o subjectivismo, pelo que o comportamento do Estado não terá sido apropriado neste caso, pois agiu sem respeito das leis, ignorando-as e ignorando os interesses dos particulares. Tudo isto, culmina com a sentença que dá razão ao Estado. A decisão, parece-me, vem provocar uma enorme insegurança jurídica (aliás a argumentação da acusação refere fortemente este ponto), uma vez que permite que o Estado actue sem qualquer respeito pelas leis, que ignore os mecanismos de que dispõe e vem confirmar que o interesse público se sobrepõe ao dos particulares, não seguindo qualquer outro critério que o da simples vontade dos representantes dos seus órgãos.

A decisão do Tribunal Administrativo em não impugnar os actos da BNP, pode acarretar alguns perigos, nomeadamente o de permitir o livre exercício do direito de preferência (e outros direitos que possam existir) por parte dos órgãos representativos do Estado. Permite também que estes mesmos órgãos desprezem os mecanismos impostos, não os cumpram. E não me refiro só a este caso específico. Corre-se o risco de este exemplo abranger outros órgãos da administração directa do Estado noutras áreas, encorajando-os a procederem segundo a sua casuística e unilateral vontade.

P.s - O trabalho está também publicado neste blog, mas é bastante mais extenso. Aqui fica um resumo e o meu comentário. Quem tiver dúvidas ou simples curiosidade pode abrir e ler pois estará mais desenvolvido.


Gonçalo Cabral de Moncada











Sector Empresarial do Estado





 Sector empresarial do Estado (DL 558/99, de 17.12, alterado pelo DL 300/2007)




  • - Empresas públicas (art. 3.º)


  •                                             - Empresas participadas (art. 2.º, n.º 2)





Sector empresarial local (Lei n.º 53-F/2006, de 29.12)

  • Empresas municipais
  • Empresas intermunicipais
  • Empresas metropolitanas

Sector empresarial das Regiões Autónomas


Empresas públicas (societárias)


  • Sociedades constituídas nos termos da lei comercial;
  • Sujeitas à influência dominante do Estado ou de outras entidades públicas estaduais
  • Influência dominante
                    - Detenção da maioria do capital social
                    - Detenção da maioria dos direitos de voto
                    - Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização
  • Art. 3.º do DL 558/99







Exemplos de empresas públicas (societárias)




  • Ana, Aeroportos de Portugal, S.A.
  • APL, Administração do Porto de Lisboa, S.A.
  • Caixa Geral de Depósitos, S.A
  • CP, Caminhos de Ferro Portugueses, S.A.
  • CTT, Correios de Portugal, S.A.
  • Metro do Porto, S.A.
  • Parpública, Participações Públicas, S.A.



Entidades Públicas    Empresariais

  • Pessoas colectivas de direito público
  • Com natureza empresarial
  • Criadas pelo Estado           
             - Criação por Decreto-Lei
             - Contendo os respectivos Estatutos
             - Denominação: EPE ou Entidade Pública Empresarial
  • Não são sociedades
  • Arts. 23.º e ss. do DL 558/99, de 17 de Dezembro

Exemplos de Entidades Públicas Empresariais


  • EP- Estradas de Portugal, EPE
  • Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE
  • Instituto Português de Oncologia de Coimbra Gentil Martins, EPE
  • Teatro Nacional D. Maria II, EPE
  • API-Agência Portuguesa para o Investimento, EPE
  • Metropolitano de Lisboa, EPE




Empresas participadas (art. 2.º, n.º 2, do DL 558/99)

  • Organizações empresariais
  • Participação permanente do Estado ou de outras entidades públicas estaduais
                      - Participação permanente: art. 2.º, 3
                      - Presunção de permanência: art. 2.º, 4
  • De forma directa ou indirecta
  • Sem atingir influência dominante

Exemplos de Empresas participadas

  • Galp Energia, SGPS, S.A
                 7% do capital social é detido pela Parpública
  • Salvador Caetano, Comércio de Automóveis, S.A.
                 0,28% do capital social é detido pela Parpública
  • Portugal Telecom, SA
                 0,06% do capital social é detido pela Parpública





Estruturas de gestão das empresas públicas (arts. 18.º-A, ss.)

  • Aplicação dos modelos previstos no CSC
  • Especificidades previstas no DL 558/98        
              - Ministro das Finanças (e ministro do sector) podem determinar que:

                       - O órgão de administração seja composto por administradores executivos e não executivos
                               - Seja criada uma comissão de auditoria (administradores não executivos)
                               - Seja criada a comissão de avaliação
  • EPE – art. 27.º DL 558/99, de 17.12.
  • Estatuto do Gestor Público (DL 71/2007, de 27 de Março)
                    - Pessoas designadas para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo DL 558/99, de 17.12.
                    - Não são gestores públicos
                             - Membros da mesa da AG
                             - Membros da Comissão de fiscalização
                             - Membros de órgãos a que não caibam funções de gestão ou administração
  • Designação do Gestor Público
                  - Requisitos: art. 12.º
                  - Incompatibilidades e impedimentos: art. 22.º
                  - Designação: art. 13.º
                                 - Nomeação (art. 13.º, n.º 2, 3)
                                 - Eleição (nos termos da lei comercial)
                                 - Cooptação (nas empresas que tenham a forma societária) – art. 14.º
  • Duração do mandato: 3 anos
  • Natureza das funções
                     - Executivas (art. 20.º)
                     - Não executivas (art. 21.º)
  • Deveres do gestor público
                         - Deveres (art. 5.º)
                         - O contrato de gestão (art. 18.º)
                         - Ética (art. 36.º)
                         - Boas práticas (art. 37.º)
                         - Proibição de despesas confidenciais e não documentadas (art. 11.º)
  • Responsabilidades
                      - Art. 23.º

A especial posição do Estado ou das entidades públicas
  • Função accionista do Estado: art. 10.º
  • Direitos societários são exercidos através da Direcção-Geral do Tesouro
  • O exercício dos direitos deve obedecer a orientações estratégicas (v. art. 11.º do DL 558/99)
  • Assento no órgão de administração, através de membros não executivos
  • Direitos do Estado podem ser exercudos através de SGPS (ex. Parpública)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Aprovação da reforma autárquica

Logo nos primeiros meses de legislatura do XIX Governo Constitucional, foi apresentada a reforma autárquica, com a extinção de determinadas freguesias por todo o território nacional, como uma das bandeiras do Programa do mesmo. A mesma lei que prevê a extinção de mais de mil freguesias foi aprovada na última sexta-feira, dia 7 de Dezembro.
Este tema tem gerado muita polémica, pois toda a questão tem sido discutida com base em fundamentos jurídicos, políticos e também culturais. Mas como este caso é objecto de estudo em Direito Administrativo, cabe analisá-lo sob uma perspectiva jurídica.
Portugal tem hoje um total de 4.259 freguesias. Comparando, por exemplo, com o mapa autárquico espanhol, este é composto por municípios, províncias e ilhas, embora o município seja entendido como a unidade básica da organização territorial do Estado.

Quais seriam as consequências de uma extinção total das freguesias em Portugal? Fica a questão.
Filipa Otero

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


Direito de Preferência de alguns órgãos administrativos

Introdução:

O Direito Administrativo, ao longo da sua existência, tem definido as suas funções de modo a prosseguir o “interesse público”, questão que levanta algumas dúvidas quanto ao seu significado, alcance e interpretação. Assim, o trabalho tem como finalidade a apresentação de um caso que está pendente, seguido de um breve comentário.

Vai ser apresentado e apreciado um alegado abuso do exercício do direito legal de preferência por parte de um órgão do Estado. O referido exercício foi contestado pelo cidadão privado que se sentiu lesado, o qual interpôs uma acção contra o Estado, tendo este contestado as alegações apresentadas. Neste momento já foi proferida a sentença pela primeira instância, tendo sido interposto recurso, não havendo ainda nenhuma sentença transitada em julgado.

O trabalho terá como estrutura duas partes distintas: uma primeira onde vou expor os factos, os argumentos dos privados (que serão tratados por X), a contestação do órgão estatal (que neste caso é a Biblioteca Nacional Portuguesa, designada a partir daqui por BNP), as alegações e a sentença. Na segunda parte irei fazer um pequeno comentário sobre o caso.

Factos:

O caso desenrolou-se entre um comprador privado e a BNP. Na sequência das licitações por parte de X e da sua aquisição dos três bens o representante da BNP pretendeu optar invocando ter a BNP direito legal de preferência. Vou assim expor os factos sequencialmente:

1 – No dia 27/10/2009 a leiloeira Y realizou um leilão;

2 – Participaram, entre outros o cliente X e o representante da BNP, o qual não apresentou credencial que lhe conferisse poderes para o efeito;

3 – Um desenho e dois manuscritos foram à venda;

4 – Cliente X efectuou as licitações mais altas dos respectivos bens, adquirindo-os;

5 – Logo de seguida um representante da BNP levantou-se invocando um direito legal de preferência sobre os bens adquiridos por X;

6 – A leiloeira Y, desconhecendo que os bens estavam classificados ou em vias de classificação, pediu mais tarde prova formal de que os bens em causa estavam classificados ou vias de classificação;

7 – BNP responde que não está limitada a exercer o seu direito legal de preferência apenas sobre bens classificados ou vias de classificação;

8 – A BNP defende ainda que o quadro legal existente legitima o exercício do direito legal de preferência e que o interesse público justifica a atribuição desse direito, como o pontual e selectivo exercício desse direito na alienação de bens bibliográficos, quer estejam classificados ou em vias de classificação ou não;

9 – O comprador X afirma que os actos praticados são lesivos, pois impedem-no de adquirir a propriedade dos bens;

Enquadramento legal:

Neste ponto, darei a conhecer a legislação existente para esta matéria, uma vez que tanto a acusação (particular X), como a defesa (BNP), baseiam os seus argumentos nesta. Os artigos mais relevantes encontram-se transcritos no apêndice deste trabalho. Temos então:

1 – Lei que “Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural” – Lei nº 107/2001;

2 – Lei orgânica do Ministério da Cultura, aprovada através do Decreto-Lei nº 215/2006, que integra a BNP na administração directa do Estado, artigo 4º/1 d), atribuindo-lhe funções no seu artigo 14ª/2 f);

3 – Lei orgânica da BNP, aprovada através do Decreto-Lei nº 90/2007, que tem como objectivo “redefinir a actual estrutura orgânica da BNP…”, dando “cumprimento ao estabelecido no artigo 14º do Decreto-Lei nº 215/2006” (como se pode ler no preâmbulo);

Problema em questão:

Aqui vou expor o que se discute. Obviamente que está em causa o direito de preferência exercido pela BNP, que pretende privar o particular de obter os objectos em causa, mas como veremos nos pontos seguintes, os dois lados utilizam argumentos para o seu comportamento. Neste ponto, ficará apenas o mote sobre o qual se vai discutir.

Assim, vou esquematizar os artigos que se referem à matéria:

Lei 107/2001:

1 – O artigo 2º/1 estabelece que bens integram o património cultural;

2 – O artigo 16º/1 refere as “formas de protecção dos bens culturais”;

3 – O artigo 18º/1 diz respeito ao que se entende por “classificação”;

4 – O artigo 85º especifica o que “integra o património bibliográfico”;

5 – O artigo 37º estabelece que o Estado apenas goza do direito de preferência de “bens classificados ou em vias de classificação”;

Decreto-Lei 90/2007:

1 – O artigo 2º/3 f) refere que a BNP tem como função “exercer, em representação do Estado, o direito de preferência na alienação de bens bibliográficos”

Problema:

1 – Os três bens sobre os quais a BNP exerceu o direito de preferência não estavam classificados nem em vias de classificação;

2 – Questão está em saber se a BNP pode exercer esse direito apenas sobre bens classificados ou em vias de classificação, ou se pode exercer o direito de preferência independentemente de os bens se encontrarem classificados ou em vias de classificação

Argumentos da acusação:

O particular X, que neste caso é a acusação, pretende impugnar os actos administrativos praticados pela BNP, por os considerar lesivos do seu direito de adquirir a propriedade.

Pretendo assim com este ponto expor a argumentação da acusação contra a BNP. Estará incluído neste tanto a petição inicial como as alegações em resposta à contestação (por parte da BNP) que será tratada no ponto seguinte.

Passo então a enumerar os argumentos que se encontram na petição inicial:

1 – O artigo 2º/3 f) do DL-90/2007, invocado pela BNP, apenas esclarece que se e quando o Estado tiver direito de preferência na alienação de bens bibliográficos, é à BNP que cabe exercer esse direito.

Assim, o DL-90/2007 é uma mera norma de competência, não atribuindo nenhum direito genérico;

2 – Nem todo o património se reveste de relevância para o interesse público, só se sabendo qual o (património) que reveste através de um expresso reconhecimento pela entidade pública, que se dá através classificação. Caso contrário, gerar-se-ia uma enorme insegurança jurídica;

3 – Se o DL-90/2007 não atribui um direito de preferência genérico e os bens em causa não estão classificados nem em vias de classificação, como exige o artigo 37º/1 DL-107/2001, então a BNP viola o princípio da legalidade, artigo 266º/2 CRP e artigo 3º/1 CPA;

4 – Um dos objectos em causa é um desenho. O artigo 85º DL-107/2001 não define “desenhos” como um bem bibliográfico e o artigo 2º/3 f) DL-90/2007 reporta-se unicamente a bens bibliográficos;

Os argumentos seguintes (que eu vou tentar resumir o mais possível, apenas com a preocupação de que sejam entendidos) fazem parte das alegações de direito, completando os argumentos da petição inicial:

5 – Fazendo uma interpretação do DL-90/2007 e em especial do seu artigo 2º/3 f), este apenas pretende esclarecer qual o órgão competente para exercer determinado direito, consagrando assim a repartição de funções por diferentes órgãos feita no DL-215/2006 artigo 14º/2 f);

6 – A BNP só pode exercer o direito de preferência em representação do Estado, quando este seja titular desse direito. Segundo o artigo 37º/1 DL-107/2001 o Estado apenas goza de direito de preferência caso os bens em questão estejam classificados ou em vias de classificação. Como nenhum dos bens o está (classificado ou em vias de classificação), o Estado não goza de direito de preferência;

7 – A legislação avulsa referida no artigo no 37º/3 DL-107/2001, cujo teor foi invocado pela BNP para sustentar que o artigo 2º/3 f) DL-90/2007 constituía uma norma especial contida na legislação avulsa (como veremos no ponto que se refere à “contestação”, contraria a ratio leges do regime, pois sempre que o Legislador pretendeu abrir uma excepção no exercício do direito de preferência, independentemente dos bens estarem classificados ou não teve o cuidado de o dizer expressamente:

Ex: Artigo 66º/1 Lei nº 47/2004, que aprovou a Lei Quadros dos Museus Portugueses dispõe: “ A alienação ou a constituição de outro direito real sobre bem cultural incorporado em museu privado confere ao Estado e às Regiões Autónomas o direito de preferência, independentemente do bem estar classificado ou em vias de classificação ou inventariado.”

8 – Segundo a interpretação da BNP, esta tem o poder de perante cada alienação decidir casuisticamente e unilateralmente sobre a existência de um direito de preferência. Fazendo uma análise do elemento teleológico do artigo 37º/1 DL-107/2001 conclui-se que a classificação se torna necessária e indispensável para que se saiba se o bem em causa é de interesse público ou não de modo a prevenir e evitar a insegurança jurídica;

9 – Se a tese defendida pela BNP, na qual o DL-90/2007 artigo 2º/3 f) consagra uma excepção à regra do DL-107/2001 artigo 37º/3, haveria uma inconstitucionalidade, pois à luz do artigo 112º CRP, uma lei de valor reforçado não pode ser revogada por um qualquer acto legislativo com força ordinária;

Contestação da BNP:

A contestação da BNP faz parte do processo, aparecendo em resposta à petição inicial (tratada anteriormente). Prende-se com os argumentos e contra-argumentos do Réu, justificando os seus actos e clamando pela validade dos mesmos. É depois da contestação que aparecem as alegações de direito, mas que neste trabalho foram incluídas com a petição inicial por uma questão prática de apresentação, de modo a facilitar o entendimento do caso e da discussão.

Razões objectivas para o exercício do direito de preferência:

1 – Actos da BNP resultam do exercício de uma competência, consagrada na sua lei orgânica DL – 90/2007, artigo 2º/3 f);

2 – Razão do exercício reside no valor dos bens para o património bibliográfico nacional, tratando-se neste caso de obras que vêm completar e integrar alguns dos fundos da BNP;

3 – Dois dos lotes em causa são documentos avulsos (cartas) sendo o risco de dispersão elevado, tendo a BNP considerado por bem adquiri-los, no sentido de assegurar a integridade destes;

Alegada ilegalidade do exercício do direito de preferência:

4 – No DL-107/2001 o artigo 37º/3 dispõe que o “disposto no presente artigo não prejudica os direitos concedidos à Administração Pública pela legislação avulsa”,

A legislação avulsa compreende a norma constante da lei orgânica da BNP (DL-90/2007, artigo 2º/3 f), que não faz referência à circunstância de os bens bibliográficos terem de estar classificados ou em vias de classificação;

5 – A classificação dos bens como a única forma de protecção do património cultural seria manifestamente insuficiente, considerando o universo dos bens culturais não classificados e em posse dos particulares,

Assim, o artigo 16º/3 do DL-107/2001 diz que “a aplicação de medidas cautelares previstas na lei não depende da prévia classificação ou inventariação de um bem cultural”, medidas estas que servem para situações de urgência, pois sem elas seriam criadas tremendas dificuldades ao Estado em adquirir bens que não se enquadram nos critérios definidos pela Lei do Património para a respectiva classificação,

Se assim não fosse, o Estado não poderia cumprir o papel que a Lei do Património lhe assegura, enquanto tarefa fundamental e constitucionalmente consagrada (artigo 9º CRP – “São tarefas fundamentais do Estado: e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português”);

6 – Em relação ao terceiro lote ser um desenho, o artigo 85º DL-107/2001 refere “espécies, colecções e fundos bibliográficos” sem comportar uma definição para a natureza e tipologia do que se considera “bibliográfico”;

Sentença:

O Tribunal Administrativo deu razão à BNP, confirmando os seus argumentos (já expostos), decidindo que a BNP não deveria ser condenada pelos seus actos.

Comentário:

Uma vez que todo o processo foi apresentado, cabe-me agora fazer um pequeno comentário pessoal.

Em primeiro lugar, penso que nos deparamos com um caso em que há um choque entre o interesse público e o interesse particular. Por um lado, o Estado pretende obter determinados bens que considera serem importantes para o património cultural; por outro, os particulares não querem abdicar do seu direito de adquirir os bens em causa. Na minha opinião, se há interesse público na obtenção dos bens, penso que o Estado deve ter os meios necessários e suficientes para os adquirir. Porém, como vimos esse não é o problema, pois esses meios existem. Assim, o Estado deveria ter cumprido o processo previsto na lei de modo a evitar problemas posteriores.

Ora acontece que o Estado apesar de saber que dispunha dos meios necessários para adquirir os bens, não os praticou. Preferiu exercer um direito, não respeitando as “regras”. É neste ponto que chocam os interesses. Penso que o interesse público deve prevalecer, mas não pode “atropelar” os particulares como se nada fosse, não pode ser exercido sem qualquer critério, não pode estar submetido à simples vontade dos representantes do Estado. Se houve a preocupação de legislar determinadas matérias, é porque certamente se pretendeu salvaguardar todos os interesses e prevenir eventuais abusos.

Concluindo esta primeira apreciação, acho importante sublinhar que os representantes do Estado tinham conhecimento da legislação e dos mecanismos próprios para poderem exercer o direito, mas ignoraram-nos. Este comportamento transmite uma sensação de que o Estado é intocável, que pode agir segundo a sua livre e espontânea vontade sobre o argumento de cumprir o “interesse publico”. Leva-nos a supor que na prática vigora um sistema objectivista da administração pública, concedendo poderes ilimitados à actuação pública. Mas a jurisprudência tem afirmado que a solução equilibrada se encontra num “meio termo” entre o objectivismo e o subjectivismo, pelo que o comportamento do Estado não terá sido apropriado neste caso, pois agiu sem respeito das leis, ignorando-as e ignorando os interesses dos particulares. Tudo isto, culmina com a sentença que dá razão ao Estado. A decisão, parece-me, vem provocar uma enorme insegurança jurídica (aliás a argumentação da acusação refere fortemente este ponto), uma vez que permite que o Estado actue sem qualquer respeito pelas leis, que ignore os mecanismos de que dispõe e vem confirmar que o interesse público se sobrepõe ao dos particulares, não seguindo qualquer outro critério que o da simples vontade dos representantes dos seus órgãos.

Outro aspecto que penso ser relevante comentar é o facto de haver uma lei que refere a necessidade de os bens estarem classificados ou em vias de classificação (DL-107-2001, artigo 37º/1), mas que na perspectiva da BNP não é um factor essencial para o exercício do direito de preferência. Não posso deixar de concordar com a acusação, que na sua argumentação destaca o requisito da classificação (ou estar em vias de), afirmando que esta se torna indispensável na análise de um interesse público sobre um bem, para que possa haver segurança no tráfego jurídico, protegendo em especial os particulares. Penso que se o Legislador na redacção da lei base do património cultural escolheu como um dos requisitos essenciais a classificação, não terá sentido que a BNP possa agir independentemente disso. Aliás, a acusação dá-nos um exemplo concreto de que sempre que o Legislador pretendeu abrir uma excepção ao requisito da classificação, fê-lo expressamente.

A decisão do Tribunal Administrativo em não impugnar os actos da BNP, pode acarretar alguns perigos, nomeadamente o de permitir o livre exercício do direito de preferência (e outros direitos que possam existir) por parte dos órgãos representativos do Estado. Permite também que estes mesmos órgãos desprezem os mecanismos impostos, não os cumpram. E não me refiro só a este caso específico. Corre-se o risco de este exemplo abranger outros órgãos da administração directa do Estado noutras áreas, encorajando-os a procederem segundo a sua casuística e unilateral vontade.

A acusação toca num ponto sensível e não menos importante: o princípio da legalidade, consagrado na CRP – artigo 266º/2 e ainda no CPA – artigo 3º/1. Os artigos dispõem: “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos”. Observa-se assim, que a BNP viola de facto o princípio da legalidade, porque apenas lhe foi atribuído o poder de exercer o direito de preferência no caso de os bens estarem classificados ou em vias de classificação (artigo 37º/1, DL-107/2001). Mais, não penso que o fim do Legislador fosse conferir poderes genéricos e ilimitados à BNP, mas sim conferir poderes que a permitam proteger o património quando necessário, sem que tenha que passar pela aquisição do mesmo. Isto é, encontrando-se o bem na posse de um particular, pode o Estado classificá-lo cumprindo assim a sua função. Não há aqui aquisição, mas o bem passa a estar protegido.

Por fim, o artigo 6º - A do CPA consagra o princípio da boa-fé no exercício da actividade administrativa e que este deve regular as relações entre os particulares e a Administração Pública. Não me parece que seja o caso. A BNP não agiu, na minha opinião, segundo o princípio da boa-fé, pois apesar de saber quais os mecanismos legais na aquisição de bens, não os utilizou. Aliás, ignorou-os. Agiu por sua única vontade, decidindo casuística e unilateralmente pelo interesse público do bem, sabendo que tinha a obrigação de desencadear o processo respectivo de classificação dos bens. E este comportamento não se encaixa com a al.a) do número 2 do mesmo artigo “A confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa”. Explicando, a actuação da BNP ao não respeitar a legislação em vigor, ao não utilizar os meios disponíveis, suscita a desconfiança pela parte do particular. Logo, isto significa que a BNP deveria ter classificado ou dado início à classificação, de modo a assegurar a transparência dos seus actos.

Apêndice:

Lei nº 107/2001:

Artigo 2º/1 – “Para os efeitos da presente lei integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização.”

Artigo 16º/1 – “A protecção legal dos bens culturais assenta na classificação e na inventariação.”

Artigo 18º/1 – “Entende-se por classificação o acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural.”

Artigo 37º/1 – “Os comproprietários, o Estado, as Regiões Autónomas e os municípios gozam, pela ordem indicada, do direito de preferência em caso de venda ou dação em pagamento de bens classificados ou em vias de classificação ou dos bens situados na respectiva zona de protecção.”

37º/3 – “O disposto no presente artigo não prejudica os direitos de preferência concedidos à Administração Pública pela legislação avulsa.”

Artigo 85º/1 – “Integram o património bibliográfico as espécies, colecções e fundos bibliográficos que se encontrem, a qualquer título, na posse de pessoas colectivas públicas, independentemente da data em que foram produzidos ou reunidos, bem como as colecções e espólios literários.”

Lei nº 215//2006

Artigo 4º/1 – “Integram a administração directa do Estado, no âmbito do MC, os seguintes serviços centrais: d) A Biblioteca Nacional de Portugal;”

Artigo 14º/2 – “ A BNP prossegue as seguintes atribuições: f) Exercer, em representação do Estado, o direito de preferência na alienação de bens bibliográficos.”

Lei nº 90/2007

Artigo 2º/3 – “A BNP prossegue as seguintes atribuições: f) Assegurar, nos termos da lei, os procedimentos relativos à exportação, expedição e circulação de património bibliográfico e exercer, em representação do Estado, o direito de preferência na alienação de bens bibliográficos”


Gonçalo Cabral de Moncada