segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Teoria da Norma de Protecção



Teoria da norma de Protecção – posição subjectivista:


Tudo o que está neste texto podem encontrar mais desenvolvidamente na tese do Professor Vasco Pereira da Silva, “ Em busca do acto administrativo perdido”, páginas 149 a 297.

         Para perceber melhor o que é/o que defende a teoria da norma de protecção, achamos melhor começar por explicar que o Direito Administrativo já não assenta hoje na figura do Acto Administrativo, típico da actuação da Administração agressiva (Estado liberal), período em que o particular face à Administração ou era visto como “administrado”, como o seu objecto (KELSEN, MERKL), ou então como um sujeito passivo, sendo vista a relação da Administração com o particular como uma relação de poder (OTTO MAYER MARCELLO CAETANO JELLINEK).
         Nesta primeira fase, o único modo de defesa do cidadão fase aos abusos da Administração, seria pelo princípio da legalidade, ou seja: a Administração apesar de ter amplos poderes (de autoridade) estava subordinada à lei. Se a violasse durante a sua actividade poderia o particular defender-se, invocando o desrespeito da Administração pela lei. Porém quando o fazia, não estava a defender um direito ou interesse seu, mas sim um direito à legalidade (um interesse de todos – público) (BONNARD, MARCELLO CAETANO, WALTER JELLINEK), um direito reflexo dos indivíduos; ou um interesse próximo da Administração, posição que afirma que os indivíduos só têm legitimidade processual, não defendendo nenhuma posição jurídica subjectiva face à Administração (LAFERRIÈRRE, HAURIOU).
        
Com o Estado social, a relação da Administração com os particulares altera-se, passando a actividade da  Administração de agressiva a prestadora: para além dos actos administrativos muitas vezes passaram a conceder-se vantagens aos particulares. Ao contrário do que antes sucedia, a administração passou a relacionar-se com os particulares através de outras figuras como o contrato.
Desta forma propôs-se a alteração do paradigma do Direito Administrativo: o conceito central, o que melhor explicaria a actividade da Administração seria a relação jurídica (não tendo no entanto de explicar TODA a actividade, isto é, apesar da maior parte da actividade da Administração processar-se através de uma relação, não quer dizer que sempre assim suceda).
         Pode-se definir relação jurídica como: “um conceito-quadro que permite explicar os vínculos jurídicos existentes entre a Administração e os privados, anteriores ou posteriores à prática do acto administração assim como aquelas que se estabelecem quando a Administração utiliza outras formas de actuação distintas”. De forma mais resumida: é um vínculo entre dois sujeitos de direito em que um deles prossegue o interesse público.


Há várias formas de conceber a relação jurídica:

®     Só haveria relação jurídica na Administração do Estado Social;

®     A relação jurídica seria a posição central do Direito Administrativo.

Esta última divide-se em duas:

®     Existe uma relação jurídica geral, ou latente, independente da actuação da Administração, concebida à semelhança dos direitos absolutos, prestes a ser concretizada. Após a concretização surgem as relações especiais, ou concretas, estas sim verdadeiramente relacionais (BAUER, HENKE, ACHTERBERG); - mais desenvolvimento e críticas, páginas 163 a 177)

®     As relações jurídicas estão previstas nas normas jurídicas, no entanto só se pode falar de relação entre a Administração e o particular quando esta é concretizada por um facto (BACHOF, MAURER). Antes de ser concretizada a situação que existe poderá ser explicada como um estatuto jurídico (WALTER JELLINEK), concebido da seguinte forma: “estatuto jurídico é a possibilidade que um sujeito de direito tem de se ligar através de relações jurídicas no futuro, é, portanto, uma característica do sujeito de direito”. – ver paginas 174 a 186

         A posição adoptada pelo Professor Vasco Pereira da Silva é a segunda descrita.
         Para além de a nossa Constituição reconhecer a figura da relação jurídica administrativa (por exemplo art. 212º/3), ela apresenta mais vantagens que a figura o acto administrativo (em que não se concebiam relações jurídicas):

®     Permite explicar a actuação da Administração quando esta não utiliza poderes de autoridade (cuja utilização é cada vez menos);

®     Mesmo quando actua com poderes de autoridade estabelece-se uma relação em que são reconhecidos alguns direitos aos indivíduos;

®     Vai permitir explicar melhor as relações da Administração de infra-estruturas, onde se estabelecem relações multilaterais;

®     Permite também explicar o procedimento Administrativo não do ponto de vista da Administração, mas da relação jurídica, atribuindo ao particular uma posição de direito não uma posição secundário, como mero ajudante da Administração.

Para mais desenvolvimento e defesa desta posição ver paginas 186 a 206
Ao reconhecer-se a relação jurídica como o novo paradigma do Direito Administrativo é possível passar-se a reconhecer direitos subjectivos aos cidadãos (e começar a falar-se de normas de protecção), que são verdadeiramente seus e que ,quando violados, o particular pode invocar no seu próprio interesse e não apenas como direitos reflexos que provêm das normas objectivas, em que se prossegue imediatamente o interesse público (o respeito pela legalidade) e só secundariamente o seu. Isto é possível, pois quer o cidadão quer a Administração partem de uma posição de igualdade e não de uma posição de desigualdade em que um é visto como subordinado. 

Assim se começa a explicar e a desenvolver a norma de protecção: ver páginas 212 a 255 (principalmente) e 281 a 297 - quanto à CRP


Esta teoria, (assente na dignidade da pessoa humana, reconhecida actualmente pela CRP, art. 1º) formulada inicialmente por BUEHLER foi sendo alargada, no sentido de paulatinamente se irem reconhecendo cada vez mais direitos aos particulares.      Assim, quando primariamente definida por BUEHER prossuponha o seguinte:

®     A existência de uma norma (legal) vinculativa que reconhecesse direitos subjectivos aos particulares;
®     A intenção do legislador em proteger os interesses dos particulares;
®     O particular, em razão desta posição de defesa, tem o poder de recorrer a um tribunal que a assegure.

Esta primeira concepção das normas de protecção permitiu a transição da defesa do particular assente na crença da legalidade como a melhor forma  (e única) de protecção do particular, pela perspectiva do reconhecimento de direitos aos mesmos.
Porém esta 1ª concepção era ainda limitada, pois só nos casos em que o legislador ordinário (e não o constituinte) tinha expressamente “previsto” direitos é que os particulares os tinham. Também só poderiam recorrer a tribunal quando os direitos, expressamente previstos, tinham sido lesados (havia uma taxatividade dos motivos pelo quais os particulares poderiam invocar os seus direitos).

Assim BACHOF veio reformulá-la:

®     Qualquer norma que vincule a Administração (norma cujo o enunciado estabeleça um “dever” para a Administração,) nomeadamente as normas que lhe atribuem discricionaridade;

®     Alargamento, em consequência do 1º pressuposto, das normas que se considera estarem ao serviço da protecção de interesses individuais;

®     Passa a reconhecer-se um pleno acesso à justiça sempre que esteja em causa um direito subjectivo (art. 268º/4 e 5).

Assim, em resultado deste alargamento dos direitos reconhecidos aos cidadãos, todas as normas vão ser interpretadas no sentido mais favorável ao particular: o sentido que vai ser extraído vai ser o que melhor o protege.

No entanto as normas de protecção ainda sofreram uma evolução: quando surgiu a Administração de infra-estruturas, surgiram as relações multilaterais (ou pelo menos começou-se a reconhecê-las e a dar-lhes importância).
         Surgiram assim os chamados “direitos de terceiros”, isto porque os destinatários da actividade da Administração poderiam não ser os únicos prejudicados por esta. Além do mais, das muitas normas criadas pelo legislador destinadas a regular a actividade da Administração não era possível extrair qualquer forma de protecção para os particulares.
Assim, assistiu-se a uma revolução copernicana do Direito Constitucional np campo do Direito Administrativo, pois os direitos fundamentais nela enunciados passaram a aplicar-se directamente nas relações administrativas, sendo reconhecidos direitos aos particulares para além daqueles que o legislador ordinário definiu. (Alarga-se também, o fenómeno descrito, aos regulamentos, aos actos administrativos e ao contratos onde a Administração interviesse).

Pode-se dizer que os direitos fundamentais passaram a ter uma dupla vertente:

®     Negativa: no sentido de funcionarem como direitos de defesa, que podem ser despoletados quando fossem lesados pela Administração (art.18º/1);

®     Positiva: a interpretação e a integração do sentido das normas que regulam a Administração será feita em função dos direitos fundamentais, a fim de se descobrir se está e causa ou não a atribuição de um direito subjectivo público.


Na CRP e em variada legislação é possível encontrar várias normas de protecção, em que esta é feita expressamente e de forma bastante abrangente: ver páginas 283º e ss.
®     Art. 266º/1;
®     Art. 268º/4 e 5;
®     Art. 4º CPA;
®     Art. 53º CPA que remete para inúmeros direitos fundamentais: art. 64º, 65º, 73º e seguintes, 66º, todos da CRP;
®     Art. 272º/3.

(A enumeração feita tem carácter exemplificativo, existem muitas mais normas de protecção)!

A matéria que se segue tem a ver com o tema, mas já é um “pormenor” (não o sendo). Foi leccionada nas aulas teóricas, tendo o Professor indicado os livros para consulta (o dele, o dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, vol I, e do Professor Diogo Freitas do Amaral, vol II).
Atendendo ao art. 266º, este parece distinguir entre direitos e interesses legalmente protegidos.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva a diferença entre direitos e interesses legalmente protegidos é apenas de grau de protecção conferido pelas normas, ou seja: ambos visam proteger os particulares, porém enquanto no caso dos direitos os particulares têm uma pretensão, podem exigir que lhes seja atribuído algo; no caso dos interesses legalmente protegidos, o particular “apenas” pode conseguir uma anulação do acto da Administração sem que possa exigir que lhe seja atribuído algo. Por exemplo (o exemplo não é original, foi-nos dado pela Professora (cujo nome não conhecemos) à qual agradecemos ter-nos elucidado):

Uma norma prescreve: Os sujeitos carenciados têm direito a receber um subsídio de 500€. Outra prescreve: A Administração pode atribuir um subsídio aos sujeitos mais carenciados. No primeiro caso existe um direito ao subsídio, o particular pode exigir que a Administração lhe dê os 500€, no segundo caso existe um interesse (que é também um direito), pois candidatam-se ao subsídio, imagine-mos, 3 indivíduos, um com um rendimento de 100€, outro com 500€ e outro com 1000€; se a Administração atribuir o subsídio ao individuo que apresentou um rendimento de 1000€, e se o que tem 500€ recorrer ao tribunal invocando a violação de um interesse, consegue apenas que seja anulado o acto da Administração, mas não consegue que lhe seja atribuída, por via do tribunal, o subsídio. Tem de concorrer novamente e esperar que seja um dos indivíduos mais carenciados.


Não deixem de ler o livro do Professor Vasco Pereira da Silva, pois para além de muito mais completo, este texto pode conter erros de conteúdo (NÃO PROPOSITADOS, OBVIAMENTE) por algum mal entendimento da matéria. Se assim ocorrer pedimos que nos informem!!!
Esperamos ter explicado bem!!

Catarina Melícia e Filipe Rodrigues

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