Primeiro,
cumpre distinguir as figuras envolvidas. Existem três tipos de fundações em
Portugal: as fundações públicas de direito público, as fundações públicas de
direito privado e as fundações privadas. Todas são definidas pela Lei-Quadro das
Fundações (doravante, LQF). Vejamos a diferença entre elas. Com base no art.º 4 da LFQ, podemos definir Fundações
Privadas como aquelas que são criadas por pessoas de direito privado em
conjunto ou não com pessoas colectivas públicas, desde que estas não tenham influência
dominante na Fundação (LQF). Quanto às Fundações Públicas de Direito Público, são
definidas pela Lei como as Fundações que são criadas exclusivamente por pessoas
colectivas públicas. As Fundações Públicas de Direito Privado são criadas por
uma ou mais pessoas colectivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de
direito privado, desde que as pessoas colectivas públicas detenham influência
dominante na Fundação.
A referida LFQ, no seu artº57,
veio proibir a existência de novas fundações públicas de direito privado. No
debate, defendemos a possibilidade da sua existência. Para defender a nossa posição,
começámos por afirmar que as fundações públicas de direito privado serão quase
o melhor de dois mundos: por um lado, não há total arbitrariedade privada; por
outro, a existência de entes privados acaba por ser um entrave ao possível controlo
político que por vezes caracteriza a actuação da Administração Pública. O
Estado tem de desenvolver determinadas funções; contudo, há princípios de
Direito Público que não são compatíveis com essa prossecução. Por isso, há a
fuga para o Direito Privado.
Assim, devemos começar por
evidenciar quais são as vantagens trazidas pela utilização do Direito Privado:
è
Maior flexibilidade e maleabilidade (que as
regras de Direito Público não permitem);
è
Ajuda financeira ao nível de património que
constitui a fundação;
è
Maior ajuda técnica (visto que são os privados
que se especializam).
Estes e outros factores resultam
numa maior facilidade do Estado em prosseguir fins que, de outra maneira, não conseguiria
prosseguir, visto que a outra opção – as fundações públicas de direito público –
aplicariam (a algum dia existirem…) apenas Direito Público.
Levanta-se uma questão: há quem
afirme – nomeadamente, o prof. Vital Moreira e o prof. João Caupers - que a
utilização deste “estratagema de fuga” às apertadas normas administrativas não deveria
ser permitido. Contudo, como ressalva o prof. Freitas do Amaral, perante este
problema levantam-se duas alternativas: para prosseguir determinados fins do
Estado, ou se utilizada o Direito Privado ou se reforma o Direito
Administrativo, de modo a torná-lo mais maleável e eficaz nesta área. No
entanto, enquanto tal reforma – que por enquanto não passou da teoria – não se
verifica, defendemos que se deve aplicar Direito Privado. Há fins e objectivos
que o Estado precisa de assegurar actualmente, pelo que não se pode “dar ao
luxo” de esperar por uma reforma que possivelmente nem venha a acontecer.
Todavia, há uma rasteira na lei:
evidentemente que à luz da Lei-Quadro das Fundações, faz sentido que as
fundações públicas de direito privado sejam proibidas, devido ao artº48. Este
artigo sujeita as fundações públicas lato sensu (incluindo as de direito
privado) a princípios e regras de direito administrativo muito (demasiado)
apertados, o que invalida as vantagens trazidas pela utilização do Direito
Privado. Assim, defendemos, no debate, que não só as fundações públicas de
direito privado devem continuar a ser permitidas como o alcance do artº48
deveria ser restringido. Ou seja, defendemos a existência de fundações públicas
de direito privado sem o artº48 (pelo menos do modo como agora é redigido).
Imaginemos dois exemplos que
ilustram as vantagens da existência de Fundações Públicas de direito privado:
o
Para encontrar património português perdido na
Ásia (imaginemos, loiça portuguesa), o Estado, se utilizasse apenas Direito
Público, teria de proceder a concursos públicos de cada vez que quisesse
encontrar uma peça (atenção: não sabemos o suficiente de Direito Administrativo
para saber se seria exactamente assim; o que queremos demonstrar é que através
de todas as burocracias jurídico-públicas seria mais difícil de prosseguir este
interesse específico);
§
O argumento de que isto não interessa também não
procede, pois é interesse público e é interesse público aquilo que assim é
definido pelo legislador.
o
Imaginemos que não existia a Fundação
Champalimaud (fundação privada que actualmente prossegue o combate ao cancro);
como é que o Estado poderia preencher esse “buraco”, visto que o único modo de
combater eficazmente o cancro – contratando “cérebros” estrangeiros, tendo
financiamento e especialização – seria através de Direito Privado e de trabalho
conjunto com entidades privadas?
No fundo, esta proibição
constante do artº57 LQF impede que o Estado prossiga certas funções que lhe são
inerentes (ver conceito de funções do Estado), porque a única maneira de o
fazer era a partir de aplicação de Direito Privado. Ou seja, o artº57 LQF abre
espaço para que essas funções sejam prosseguidas por entes privados.
Para além disso, o argumento de
que se algumas das fundações públicas de direito privado foram extintas (ou
serão extintas) então é porque a utilização de Direito Privado não funciona
eficazmente não procede, pois há exemplos de fundações públicas de direito
privado que funcionam bastante bem, como é o caso do CCB ou do Teatro de S.
Carlos.
No fundo, o que se defende, e
utilizando a linha de pensamento da prof. Maria João Estorninho, era uma
solução menos radical. Deveria ter-se proibido a constituição de novas fundações
públicas de direito privado? Não. Deveria rever-se o regime, para as sujeitar a
um maior controlo administrativo e evitar que constituam a generalidade dos
casos de criação de fundações, em vez de casos excepcionais? Sim.
Madalena Narciso
Liliana Chapeira
Francisca Gomes Ferreira
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