sábado, 17 de novembro de 2012

Debate - Posição defensora das Fundações Públicas de Direito Privado


Primeiro, cumpre distinguir as figuras envolvidas. Existem três tipos de fundações em Portugal: as fundações públicas de direito público, as fundações públicas de direito privado e as fundações privadas. Todas são definidas pela Lei-Quadro das Fundações (doravante, LQF). Vejamos a diferença entre elas. Com base no art.º 4 da LFQ, podemos definir Fundações Privadas como aquelas que são criadas por pessoas de direito privado em conjunto ou não com pessoas colectivas públicas, desde que estas não tenham influência dominante na Fundação (LQF). Quanto às Fundações Públicas de Direito Público, são definidas pela Lei como as Fundações que são criadas exclusivamente por pessoas colectivas públicas. As Fundações Públicas de Direito Privado são criadas por uma ou mais pessoas colectivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que as pessoas colectivas públicas detenham influência dominante na Fundação.
A referida LFQ, no seu artº57, veio proibir a existência de novas fundações públicas de direito privado. No debate, defendemos a possibilidade da sua existência. Para defender a nossa posição, começámos por afirmar que as fundações públicas de direito privado serão quase o melhor de dois mundos: por um lado, não há total arbitrariedade privada; por outro, a existência de entes privados acaba por ser um entrave ao possível controlo político que por vezes caracteriza a actuação da Administração Pública. O Estado tem de desenvolver determinadas funções; contudo, há princípios de Direito Público que não são compatíveis com essa prossecução. Por isso, há a fuga para o Direito Privado.
Assim, devemos começar por evidenciar quais são as vantagens trazidas pela utilização do Direito Privado:
è Maior flexibilidade e maleabilidade (que as regras de Direito Público não permitem);
è Ajuda financeira ao nível de património que constitui a fundação;
è Maior ajuda técnica (visto que são os privados que se especializam).
Estes e outros factores resultam numa maior facilidade do Estado em prosseguir fins que, de outra maneira, não conseguiria prosseguir, visto que a outra opção – as fundações públicas de direito público – aplicariam (a algum dia existirem…) apenas Direito Público.
Levanta-se uma questão: há quem afirme – nomeadamente, o prof. Vital Moreira e o prof. João Caupers - que a utilização deste “estratagema de fuga” às apertadas normas administrativas não deveria ser permitido. Contudo, como ressalva o prof. Freitas do Amaral, perante este problema levantam-se duas alternativas: para prosseguir determinados fins do Estado, ou se utilizada o Direito Privado ou se reforma o Direito Administrativo, de modo a torná-lo mais maleável e eficaz nesta área. No entanto, enquanto tal reforma – que por enquanto não passou da teoria – não se verifica, defendemos que se deve aplicar Direito Privado. Há fins e objectivos que o Estado precisa de assegurar actualmente, pelo que não se pode “dar ao luxo” de esperar por uma reforma que possivelmente nem venha a acontecer.
Todavia, há uma rasteira na lei: evidentemente que à luz da Lei-Quadro das Fundações, faz sentido que as fundações públicas de direito privado sejam proibidas, devido ao artº48. Este artigo sujeita as fundações públicas lato sensu (incluindo as de direito privado) a princípios e regras de direito administrativo muito (demasiado) apertados, o que invalida as vantagens trazidas pela utilização do Direito Privado. Assim, defendemos, no debate, que não só as fundações públicas de direito privado devem continuar a ser permitidas como o alcance do artº48 deveria ser restringido. Ou seja, defendemos a existência de fundações públicas de direito privado sem o artº48 (pelo menos do modo como agora é redigido).
Imaginemos dois exemplos que ilustram as vantagens da existência de Fundações Públicas de direito privado:
o   Para encontrar património português perdido na Ásia (imaginemos, loiça portuguesa), o Estado, se utilizasse apenas Direito Público, teria de proceder a concursos públicos de cada vez que quisesse encontrar uma peça (atenção: não sabemos o suficiente de Direito Administrativo para saber se seria exactamente assim; o que queremos demonstrar é que através de todas as burocracias jurídico-públicas seria mais difícil de prosseguir este interesse específico);
§  O argumento de que isto não interessa também não procede, pois é interesse público e é interesse público aquilo que assim é definido pelo legislador.
o   Imaginemos que não existia a Fundação Champalimaud (fundação privada que actualmente prossegue o combate ao cancro); como é que o Estado poderia preencher esse “buraco”, visto que o único modo de combater eficazmente o cancro – contratando “cérebros” estrangeiros, tendo financiamento e especialização – seria através de Direito Privado e de trabalho conjunto com entidades privadas?
No fundo, esta proibição constante do artº57 LQF impede que o Estado prossiga certas funções que lhe são inerentes (ver conceito de funções do Estado), porque a única maneira de o fazer era a partir de aplicação de Direito Privado. Ou seja, o artº57 LQF abre espaço para que essas funções sejam prosseguidas por entes privados.
Para além disso, o argumento de que se algumas das fundações públicas de direito privado foram extintas (ou serão extintas) então é porque a utilização de Direito Privado não funciona eficazmente não procede, pois há exemplos de fundações públicas de direito privado que funcionam bastante bem, como é o caso do CCB ou do Teatro de S. Carlos.
No fundo, o que se defende, e utilizando a linha de pensamento da prof. Maria João Estorninho, era uma solução menos radical. Deveria ter-se proibido a constituição de novas fundações públicas de direito privado? Não. Deveria rever-se o regime, para as sujeitar a um maior controlo administrativo e evitar que constituam a generalidade dos casos de criação de fundações, em vez de casos excepcionais? Sim.

Madalena Narciso
Liliana Chapeira
Francisca Gomes Ferreira

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