A "desconcentração de competências" nas palavras do Prof.º Diogo Freitas do Amaral define-se como:" O sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direcção e á supervisão daquele".
A desconcentração pode assumir duas feições, ela
poderá ser originária ou voluntária (derivada). Será originária quando for a
própria lei que vai desconcentrar os poderes. Por outro lado, fala-se em
desconcentração voluntária quando, seja, permitido a um órgão descentralizar os
seus poderes/funções a um outro órgão.
Exemplo concreto da desconcentração voluntária é a
delegação de poderes.
O conceito de delegação de poderes é um conceito
clássico: É o acto pelo qual um órgão da administração normalmente competente
para decidir em determinada matéria permite, de acordo com a lei, que outro
órgão ou agente pratiquem actos administrativos nessa mesma matéria.
Como é que se procede então à delegação?
Presente no artigo 35º e seguintes do Código de
Procedimento Administrativo (C.P.A) é necessário analisar primeiramente os seus
requisitos que são cumulativos:
1º- É preciso que o órgão seja competente para
delegar poderes noutro (ou seja, tem que ser titular da competência para
delegar); O órgão delegante tem que ser competente;
2º- É necessário uma lei de habilitação (por
respeito ao princípio da legalidade da competência) que permita ao delegante
delegar; A lei tem de permitir essa delegação de poderes num outro órgão. Se se
permitisse sem mais nem menos a um órgão delegar haveria uma violação do
princípio da legalidade da competência uma vez que era permitido ao órgão
delegante a todo o tempo renunciar das suas próprias competências (pelo menos
na prática o artigo 29º do C.P.A não permite tal situação: deve-se entender a
competência como algo irrenunciável e inalienável; É necessário a lei de
habilitação que vem permitir uma desconcentração que não é originária mas sim
voluntária (derivada) de competências;
3º- Têm de existir dois órgãos nomeadamente: um
delegante e outro delegado;
4º- O acto de delegação tem de obedecer a lei (uma
vez que só é possível delegar os poderes que são permitidos por lei) é
necessário também respeitar os limites da mesma: art.37º1 C.P.A;
5º- O acto de delegação tem obrigatoriamente de ser
publicado no Diário da República, isto porque, o particular tem o direito de
saber que houve essa delegação. De acordo com o 37º/2 do C.P.A, nos casos da
administração autónoma deverá ser colocado no boletim da autarquia. Para se
saber então se essa competência é própria ou delegada é necessário que haja a
publicação e a respectiva menção: artigo 38.º do C.P.A
Cumpridos estes requisitos essenciais, a delegação
de poderes, vai habilitar o outro órgão a praticar actos sobre a matéria que o
órgão delegante é competente.
No C.P.A, nomeadamente no seu artigo 35º/2 poderá
retirar-se do elemento literal da norma que a delegação de poderes só poderá
ocorrer no seio de uma hierarquia, leia-se: "imediato inferior
hierárquico". Porém, o Profº. Diogo Freitas do Amaral não segue o mesmo
rumo para o qual poderá apontar a previsão normativa, dizendo então, que é
possível a delegação de poderes fora da hierarquia: o que vem permitir que um
órgão de uma determinada pessoa colectiva delegasse poderes noutra pessoa
colectiva distinta. Ou até mesmo, que houvesse uma delegação dentro do Governo,
de um Ministro ou de um Secretário de Estado num Director Geral de outro
departamento que não corresponde efectivamente ao seu.
Já o Profº.João Coupers nas suas "Lições de
Direito Administrativo” admite que a maioria esmagadora dos casos de delegação
ocorra no âmbito de relações interorgânicas (entre os órgãos da mesma pessoa
colectiva) mas não se deve, no entanto, ignorar que mesmo em Portugal
conhecem-se múltiplos casos de delegação de competências de uma Câmara
Municipal nas respectivas Juntas de Freguesia (artigos 37º/1 e 66º da Lei
nº169/99), e casos de delegações de membros do Governo em órgãos directivos de
institutos públicos.
Com a delegação de poderes não se deve
confundir porém a delegação tácita. Na primeira situação é necessário o
acto delegação nos termos referidos, nas situações de delegação tácita não há
uma delegação. É uma figura afim.
Analisando então a declaração tácita, podemos
começar por afirmar a sua complexidade, nesta figura está presente uma
diferença radical face à delegação de poderes. Essa diferença é exactamente o
facto de não existir o acto de delegação. A delegação tácita não é uma
delegação implícita: é uma delegação feita por lei, onde não existe o acto de
delegação. O exemplo mais óbvio está presente na Lei Orgânica do Governo,
nomeadamente, a delegação tácita do Conselho de Ministros no 1º Ministro.
No entanto, fala-se em delegação tácita porque esta
figura contém alguns dos poderes típicos da delegação nomeadamente:
1-o delegante tem um poder de quase direcção;
2-Tem o poder de revogar os actos daqueles em quem
delegou poderes (O Conselho Ministros pode revogar os actos do Primeiro Ministro);
3- Tem o poder de fazer cessar a delegação;
Tem então uma série de aspectos que a aproxima da
delegação de poderes, estando a meio caminho entre o que é uma delegação de poderes
(desconcentração derivada) e entre aquilo que se pode denominar de
transferência legal de competências (que é por exemplo: quando a própria lei
transfere a competência do Director-Geral X para o Director de serviços ou para
um presidente do instituto Y. Não há aqui uma delegação, logo, também não há
uma situação de desconcentração).
Alguns autores, como por exemplo, o Profº. Marcelo
Rebelo de Sousa e o Profº Diogo Freitas do Amaral, acabam, por integrar e
considerar a delegação tácita como uma desconcentração originária, porque, é
feita imediatamente por lei. E retiram então do princípio da legalidade, a
impossibilidade de por mero acto administrativo se poder revogar a delegação, o
delegante não lhe pode por termo, nem poderia exercer sobre o delegado os
poderes que dispõe numa situação de verdadeira delegação de poderes.
Já para o Prof.º João Coupers tudo indica que a
declaração tácita é uma verdadeira delegação de poderes à qual se deverá
aplicar o mesmo regime desta.
Quanto às espécies de delegação:
Fala-se em delegações amplas ou restritas (este
critério de distinção refere-se então ao número permitido de competências que
podem ser objecto de delegação de poderes) As matérias devem ser delimitadas
pela positiva, não é possível uma delimitação de competências pela negativa.
Ainda na opnião do Profº. Freitas do Amaral e do Profº Paulo Otero não é
possível uma delegação total. Como menciona o Profº Freitas do Amaral, existem
competências que são pela sua natureza indelegáveis nos termos da lei (como por
exemplo: os poderes de um superior hierárquico).
O problema relativamente à distinção entre as
delegações hierárquicas e não hierárquicas:
Existem delegações hierárquicas quando se está a
delegar no quadro da hierarquia, seja na hierarquia interna seja na externa. No
entanto é admissível haver delegações em órgãos fora da hierarquia (veja-se a lei 8/2004)
e até mesmo fora da própria pessoa colectiva onde se encontra o órgão delegante
inserido. É o que se chama de delegação intersubjectivas (entre órgão de
pessoas colectivas públicas diferentes), não há uma hierarquia, logo existe uma
delegação não hierárquica. Tudo isto permite acrescentar outra classificação
face à delegação de poderes: a diferença entre delegações intra-subjectivas e
inter-subjectivas. Na primeira situação refere-se a delegações dentro da mesma
pessoa colectiva pública seja enquadrada em relação hierárquicas ou não. Já o
segundo conceito são delegações entre órgãos de pessoas colectivas diversas.
Questão divergente é a de saber se nas relações hierárquicas
se o superior hierárquico delegar no seu inferior hierárquico é o primeiro
considerado como superior hierárquico ou apenas como delegante?
A tese apoiada pelo Profº Marcelo Caetano e durante
muitos anos pelo profº Diogo Freitas do Amaral: É a seguinte, nas delegações hierárquicas, o
superior hierárquico mantem os seus poderes enquanto tal e portanto mesmo que
se considerasse como um delegante ficava com mais poderes. Há uma diferença
fundamental: O superior hierárquico pode dar ordens ao passo que o delegante
não pode dar ordens apenas tinha o poder de delegar.
A segunda opinião, defendida pelos Profºs Paulo
Otero, Marcelo Rebelo de Sousa e hoje em dia também por Freitas do Amaral é que,
nas delegações em relações hierárquicas existe uma espécie de congelamento da
hierarquia. Isto é, sobre a matéria objecto de delegação suspende-se a
hierarquia e o superior hierárquico só tem os poderes de um delegante. Esta é
tese que hoje mais apoiantes detêm.
Andreia Viegas
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