quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Lei de opção de órgãos administrativos


Enquanto pensava sobre o que é que poderia escrever e comentar, deparei-me com um caso real entre um órgão de administração pública (Biblioteca Nacional Portuguesa - BNP) e um particular.

Resumidamente, a BNP exerceu um direito legal de preferência para adquirir três bens bibliográficos, que tinham sido adquiridos em leilão pelo tal particular. Até aqui nada de mal. Porém, o particular deparou-se com uma lei de bases sobre o património cultural, na qual vem referido a necessidade de os bens necessitarem de estar classificados ou em vias de classificação para que a BNP possa exercer o seu direito. Este processo de classificação está presente na lei de bases, podendo a BNP dar origem ao mesmo se pretender e se o bem em causa preencher os requisitos necessários, conforme expresso na lei.

A BNP, em sua defesa, afirma não ser necessário esta classificação, pois a sua lei orgânica atribui um exercício de direito de preferência genérico e que o interesse público justifica o pontual e selectivo exercício desse direito.

O Tribunal Administrativo concordou com a BNP.

Cabe-me agora fazer um comentário: 

Em primeiro lugar, penso que nos deparamos com um caso em que há um choque entre o interesse público e o interesse particular. Por um lado, o Estado pretende obter determinados bens que considera serem importantes para o património cultural; por outro, os particulares não querem abdicar do seu direito de adquirir os bens em causa. Na minha opinião, se há interesse público na obtenção dos bens, penso que o Estado deve ter os meios necessários e suficientes para os adquirir. Porém, como vimos esse não é o problema, pois esses meios existem. Assim, o Estado deveria ter cumprido o processo previsto na lei de modo a evitar problemas posteriores.

Ora acontece que o Estado apesar de saber que dispunha dos meios necessários para adquirir os bens, não os praticou. Preferiu exercer um direito, não respeitando as “regras”. É neste ponto que chocam os interesses. Penso que o interesse público deve prevalecer, mas não pode “atropelar” os particulares como se nada fosse, não pode ser exercido sem qualquer critério, não pode estar submetido à simples vontade dos representantes do Estado. Se houve a preocupação de legislar determinadas matérias, é porque certamente se pretendeu salvaguardar todos os interesses e prevenir eventuais abusos.

Concluindo esta primeira apreciação, acho importante sublinhar que os representantes do Estado tinham conhecimento da legislação e dos mecanismos próprios para poderem exercer o direito, mas ignoraram-nos. Este comportamento transmite uma sensação de que o Estado é intocável, que pode agir segundo a sua livre e espontânea vontade sobre o argumento de cumprir o “interesse publico”. Leva-nos a supor que na prática vigora um sistema objectivista da administração pública, concedendo poderes ilimitados à actuação pública. Mas a jurisprudência tem afirmado que a solução equilibrada se encontra num “meio termo” entre o objectivismo e o subjectivismo, pelo que o comportamento do Estado não terá sido apropriado neste caso, pois agiu sem respeito das leis, ignorando-as e ignorando os interesses dos particulares. Tudo isto, culmina com a sentença que dá razão ao Estado. A decisão, parece-me, vem provocar uma enorme insegurança jurídica (aliás a argumentação da acusação refere fortemente este ponto), uma vez que permite que o Estado actue sem qualquer respeito pelas leis, que ignore os mecanismos de que dispõe e vem confirmar que o interesse público se sobrepõe ao dos particulares, não seguindo qualquer outro critério que o da simples vontade dos representantes dos seus órgãos.

A decisão do Tribunal Administrativo em não impugnar os actos da BNP, pode acarretar alguns perigos, nomeadamente o de permitir o livre exercício do direito de preferência (e outros direitos que possam existir) por parte dos órgãos representativos do Estado. Permite também que estes mesmos órgãos desprezem os mecanismos impostos, não os cumpram. E não me refiro só a este caso específico. Corre-se o risco de este exemplo abranger outros órgãos da administração directa do Estado noutras áreas, encorajando-os a procederem segundo a sua casuística e unilateral vontade.

P.s - O trabalho está também publicado neste blog, mas é bastante mais extenso. Aqui fica um resumo e o meu comentário. Quem tiver dúvidas ou simples curiosidade pode abrir e ler pois estará mais desenvolvido.


Gonçalo Cabral de Moncada











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