Ordens profissionais
Enquanto estudava e
pensava num tema interessante para fazer um comentário, deparei-me com o ponto
referente às ordens profissionais. Após a leitura encontrei alguns aspectos que
penso serem interessantes para discussão.
Inicialmente, é
necessário integrar as ordens profissionais na Administração autónoma do
Estado. O professor Freitas do Amaral esclarece na página 420 do manual o que é
Administração autónoma – “é aquela que
prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso
se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas
actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo”.
A Administração
autónoma, por sua vez, subdivide-se em dois tipos: associações públicas e
autarquias locais. É no primeiro grupo que encontramos as ordens profissionais.
Assim, utilizando também uma definição do professor Freitas do Amaral,
associações públicas são as “pessoas
colectivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente
a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de
pessoas que se organizam com esse fim”.
Depois de ter lido a
matéria perguntei-me porque estariam as ordens profissionais dentro da
Administração autónoma e não na directa ou na indirecta. Respondendo,
recorrendo novamente ao manual do professor Freitas do Amaral, pensa-se que a
lei ao “criar para o efeito uma
associação pública, transferindo para ela poderes de autoridade originariamente
pertencentes ao Estado, a lei está a reconhecer de forma implícita que, nas
circunstâncias do caso, um certo interesse público específico será melhor
prosseguido pelos particulares interessados, em regime de associação, e sob a
direcção de órgãos por si próprios eleitos, do que por um serviço integrado na
administração do Estado.”
Torna-se então
indispensável para se perceber o tema, conhecer as funções das ordens
profissionais. Existem quatro funções das ordens profissionais: 1 –
representação da profissão face ao exterior; 2 – apoio aos seus membros; 3 –
regulação da profissão; 4 – administração acessória ou instrumental. A mais
importante das funções é sem dúvida a de regulação da profissão, ou seja, o
controlo do acesso e do exercício. O acesso traduz-se na verificação dos
requisitos académicos, na realização dos estágios e provas de admissão e decide
sobre a inscrição ou não inscrição dos candidatos. No exercício prevalece a
tarefa de regulação disciplinar dos membros da ordem.
Vislumbram-se assim,
algumas das características das ordens profissionais, sendo estas que
apresentam alguns problemas. São elas:
1 – Unicidade, que
impede a existência de outras associações públicas com os mesmos objectivos e
com o mesmo âmbito de jurisdição;
2 – Quotização
obrigatória, é uma contraprestação pelos serviços prestados pelas ordens
aos seus associados;
3 – Auto-administração,
traduz a descentralização, democrata e participada, pretendida pela a
Administração Pública;
4 – Poder
disciplinar; implica a existência de um conjunto de garantias dos seus
destinatários (que vai até à interdição do exercício da actividade
profissional);
5 – Inscrição
obrigatória, deve-se à conveniência de fazer recair sobre todos os
profissionais de cada sector os custos correspondentes aos benefícios
resultantes da actividade da corporação.
É neste último ponto
que recai todo o problema. A inscrição obrigatória viola claros direitos
fundamentais. A obrigação de inscrição representa uma restrição à liberdade de
associação, artigo 46º CRP e uma restrição à liberdade de profissão, artigo 47º
CRP.
Estas liberdades estão
condicionadas por um lado pela unicidade, mas principalmente com a inscrição
obrigatória pois as ordens profissionais não reconhecem àqueles que pretendam
exercer a profissão que elas representam a faculdade de não se inscreverem.
Mais, não reconhecem aos seus membros o direito de cancelarem a respectiva
inscrição continuando a exercer a profissão. Simplificando, para se exercer
certas profissões como por exemplo advocacia é necessário e imperativo fazer
parte da Ordem dos Advogados, independentemente de quaisquer circunstâncias que
possam existir.
Porém, as restrições
não se colocam todas da mesma maneira. Quer isto dizer que há quatro diferentes
situações dentro das próprias restrições.
1 – A profissão já foi
escolhida e apenas se trata de garantir o seu exercício, ou seja, não se pode
ser impossibilitado de exercer a profissão a não ser por decisão judicial ou
administrativa. Exige-se, pois, que a lei institua um procedimento disciplinar
equitativo;
2 – Quando os
requisitos estão preenchidos há um verdadeiro direito à inscrição. A liberdade
de profissão exige, quanto estes indivíduos, a conformação por lei a um
procedimento justo de acesso;
3 – Há também a
situação daqueles indivíduos que apesar de preencherem os requisitos, optaram
por não se inscrever. Neste caso, há uma liberdade de exercerem uma profissão
relacionada com a formação académica de que são titulares, mas com a obrigação
de respeito pela profissão a que não pretendem a aderir;
4 – Por fim, existem
aqueles que não têm qualificações para serem candidatos à ordem profissional em
causa;
Após esta
apresentação, está identificado o problema das restrições às liberdades de
associação e profissão consagrados na Constituição. Penso que as quatro
situações apresentadas a cima não justificam a violação de preceitos
constitucionais. Então, qual será a argumentação que justifique a violação
destes artigos? É certo que ninguém, ou quase ninguém põe em causa esta
inconstitucionalidade. Mas porquê? Terá esta aceitação geral levado à formação
de costume constitucional derrogando os artigos em relação às profissões que
careçam da necessidade de pertencer a uma ordem profissional? Talvez seja uma
resposta possível, mas penso que é no Direito Administrativo que se encontra a
explicação.
Sendo um problema de
violação de normas constitucionais, o problema parece ser de Direito
Constitucional e não de Direito Administrativo. Porém, a pergunta que se
levanta é como será possível que o texto fundamental do nosso ordenamento seja
violado como se nada fosse. Penso então, que apenas algo com uma enorme força faz
com que sejam possíveis estas duas restrições. E será que essa força não será o
interesse público? Não será que o interesse público é o principal “culpado”
pela violação dos dois artigos? As ordens profissionais seguem o interesse dos
seus membros, são por eles geridas. O Estado não tem sobre elas hierarquia ou
superintendência, deixa a sua administração totalmente entregue aos seus
órgãos.
Sendo uma associação
pública, entende-se que é do interesse do Estado o fim que elas prosseguem, mas
por razões de transparência, eficiência, o Estado dá liberdade para que as
entidades da Administração autónoma definam as actividades que devem exercer.
Assim, devido aos fins
prosseguidos por estas ordens profissionais serem de interesse público, serem
os benefícios que delas provêem maiores do que os prejuízos, justificam-se
estas restrições. Aliás, continua a existir liberdade de associação e
profissão, estas apenas são controladas em certos casos, nos quais se decidiu
que para se exercer determinadas profissões tem que se pertencer a uma ordem.
Há uma clara
preocupação na actividade profissional. Penso que de modo a evitar problemas
graves, como alguém fingir ser advogado sem as qualificações necessárias para
tal levando a que um terceiro saia gravemente prejudicado, permitiu-se que as
ordens profissionais não respeitassem as normas dos artigos 46º e 47º CRP.
É normal que haja
discórdia em relação há verdadeira necessidade das ordens profissionais, mas
para que os particulares não sejam prejudicados o Estado criou um sistema de
controlo e regulação.
Na minha opinião,
penso que estas são fundamentais para que a actividade profissional não esteja
à deriva, para que quando seja preciso usufruir da actividade de outrem
saibamos que essa pessoa está qualificada para tal, para que quando as coisas
não correm bem, isto é, dentro dos conformes da boa-fé e dos limites da Ordem
Pública, possa haver um órgão que as responsabiliza podendo chegar ao ponto de
os excluir da profissão.
Concluindo, penso que
o interesse público se sobrepõe às normas constitucionais, pelo que sendo as
ordens profissionais essenciais para o normal procedimento da actividade
profissional, justifica-se a restrição de duas liberdades. Claro que muita
gente discorda deste ponto, afirmando que as normas da Constituição não podem
ser violadas, mas tratando-se de um interesse geral das pessoas talvez a
restrição seja um “mal menor” do que poderia existir caso não houvessem ordens
profissionais.
Gonçalo Cabral de
Moncada
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