domingo, 16 de dezembro de 2012

Ordens Profissionais




Ordens profissionais

Enquanto estudava e pensava num tema interessante para fazer um comentário, deparei-me com o ponto referente às ordens profissionais. Após a leitura encontrei alguns aspectos que penso serem interessantes para discussão.

Inicialmente, é necessário integrar as ordens profissionais na Administração autónoma do Estado. O professor Freitas do Amaral esclarece na página 420 do manual o que é Administração autónoma – “é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo”.

A Administração autónoma, por sua vez, subdivide-se em dois tipos: associações públicas e autarquias locais. É no primeiro grupo que encontramos as ordens profissionais. Assim, utilizando também uma definição do professor Freitas do Amaral, associações públicas são as “pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim”.

Depois de ter lido a matéria perguntei-me porque estariam as ordens profissionais dentro da Administração autónoma e não na directa ou na indirecta. Respondendo, recorrendo novamente ao manual do professor Freitas do Amaral, pensa-se que a lei ao “criar para o efeito uma associação pública, transferindo para ela poderes de autoridade originariamente pertencentes ao Estado, a lei está a reconhecer de forma implícita que, nas circunstâncias do caso, um certo interesse público específico será melhor prosseguido pelos particulares interessados, em regime de associação, e sob a direcção de órgãos por si próprios eleitos, do que por um serviço integrado na administração do Estado.”

Torna-se então indispensável para se perceber o tema, conhecer as funções das ordens profissionais. Existem quatro funções das ordens profissionais: 1 – representação da profissão face ao exterior; 2 – apoio aos seus membros; 3 – regulação da profissão; 4 – administração acessória ou instrumental. A mais importante das funções é sem dúvida a de regulação da profissão, ou seja, o controlo do acesso e do exercício. O acesso traduz-se na verificação dos requisitos académicos, na realização dos estágios e provas de admissão e decide sobre a inscrição ou não inscrição dos candidatos. No exercício prevalece a tarefa de regulação disciplinar dos membros da ordem.

Vislumbram-se assim, algumas das características das ordens profissionais, sendo estas que apresentam alguns problemas. São elas:

1 – Unicidade, que impede a existência de outras associações públicas com os mesmos objectivos e com o mesmo âmbito de jurisdição;

2 – Quotização obrigatória, é uma contraprestação pelos serviços prestados pelas ordens aos seus associados;

3 – Auto-administração, traduz a descentralização, democrata e participada, pretendida pela a Administração Pública;

4 – Poder disciplinar; implica a existência de um conjunto de garantias dos seus destinatários (que vai até à interdição do exercício da actividade profissional);

5 – Inscrição obrigatória, deve-se à conveniência de fazer recair sobre todos os profissionais de cada sector os custos correspondentes aos benefícios resultantes da actividade da corporação.

É neste último ponto que recai todo o problema. A inscrição obrigatória viola claros direitos fundamentais. A obrigação de inscrição representa uma restrição à liberdade de associação, artigo 46º CRP e uma restrição à liberdade de profissão, artigo 47º CRP.

Estas liberdades estão condicionadas por um lado pela unicidade, mas principalmente com a inscrição obrigatória pois as ordens profissionais não reconhecem àqueles que pretendam exercer a profissão que elas representam a faculdade de não se inscreverem. Mais, não reconhecem aos seus membros o direito de cancelarem a respectiva inscrição continuando a exercer a profissão. Simplificando, para se exercer certas profissões como por exemplo advocacia é necessário e imperativo fazer parte da Ordem dos Advogados, independentemente de quaisquer circunstâncias que possam existir.

Porém, as restrições não se colocam todas da mesma maneira. Quer isto dizer que há quatro diferentes situações dentro das próprias restrições.

1 – A profissão já foi escolhida e apenas se trata de garantir o seu exercício, ou seja, não se pode ser impossibilitado de exercer a profissão a não ser por decisão judicial ou administrativa. Exige-se, pois, que a lei institua um procedimento disciplinar equitativo;

2 – Quando os requisitos estão preenchidos há um verdadeiro direito à inscrição. A liberdade de profissão exige, quanto estes indivíduos, a conformação por lei a um procedimento justo de acesso;

3 – Há também a situação daqueles indivíduos que apesar de preencherem os requisitos, optaram por não se inscrever. Neste caso, há uma liberdade de exercerem uma profissão relacionada com a formação académica de que são titulares, mas com a obrigação de respeito pela profissão a que não pretendem a aderir;

4 – Por fim, existem aqueles que não têm qualificações para serem candidatos à ordem profissional em causa;

Após esta apresentação, está identificado o problema das restrições às liberdades de associação e profissão consagrados na Constituição. Penso que as quatro situações apresentadas a cima não justificam a violação de preceitos constitucionais. Então, qual será a argumentação que justifique a violação destes artigos? É certo que ninguém, ou quase ninguém põe em causa esta inconstitucionalidade. Mas porquê? Terá esta aceitação geral levado à formação de costume constitucional derrogando os artigos em relação às profissões que careçam da necessidade de pertencer a uma ordem profissional? Talvez seja uma resposta possível, mas penso que é no Direito Administrativo que se encontra a explicação.

Sendo um problema de violação de normas constitucionais, o problema parece ser de Direito Constitucional e não de Direito Administrativo. Porém, a pergunta que se levanta é como será possível que o texto fundamental do nosso ordenamento seja violado como se nada fosse. Penso então, que apenas algo com uma enorme força faz com que sejam possíveis estas duas restrições. E será que essa força não será o interesse público? Não será que o interesse público é o principal “culpado” pela violação dos dois artigos? As ordens profissionais seguem o interesse dos seus membros, são por eles geridas. O Estado não tem sobre elas hierarquia ou superintendência, deixa a sua administração totalmente entregue aos seus órgãos.

Sendo uma associação pública, entende-se que é do interesse do Estado o fim que elas prosseguem, mas por razões de transparência, eficiência, o Estado dá liberdade para que as entidades da Administração autónoma definam as actividades que devem exercer.

Assim, devido aos fins prosseguidos por estas ordens profissionais serem de interesse público, serem os benefícios que delas provêem maiores do que os prejuízos, justificam-se estas restrições. Aliás, continua a existir liberdade de associação e profissão, estas apenas são controladas em certos casos, nos quais se decidiu que para se exercer determinadas profissões tem que se pertencer a uma ordem.

Há uma clara preocupação na actividade profissional. Penso que de modo a evitar problemas graves, como alguém fingir ser advogado sem as qualificações necessárias para tal levando a que um terceiro saia gravemente prejudicado, permitiu-se que as ordens profissionais não respeitassem as normas dos artigos 46º e 47º CRP.

É normal que haja discórdia em relação há verdadeira necessidade das ordens profissionais, mas para que os particulares não sejam prejudicados o Estado criou um sistema de controlo e regulação.

Na minha opinião, penso que estas são fundamentais para que a actividade profissional não esteja à deriva, para que quando seja preciso usufruir da actividade de outrem saibamos que essa pessoa está qualificada para tal, para que quando as coisas não correm bem, isto é, dentro dos conformes da boa-fé e dos limites da Ordem Pública, possa haver um órgão que as responsabiliza podendo chegar ao ponto de os excluir da profissão.

Concluindo, penso que o interesse público se sobrepõe às normas constitucionais, pelo que sendo as ordens profissionais essenciais para o normal procedimento da actividade profissional, justifica-se a restrição de duas liberdades. Claro que muita gente discorda deste ponto, afirmando que as normas da Constituição não podem ser violadas, mas tratando-se de um interesse geral das pessoas talvez a restrição seja um “mal menor” do que poderia existir caso não houvessem ordens profissionais.

Gonçalo Cabral de Moncada

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